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O historiador americano Carl Schorske fala sobre seu livro "Pensando com a História",
que está saindo no Brasil, em que discute a crise da cultura que marcou o fim do século 19
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O conflito de gerações da modernidade
Jean-Baptiste Marongiu
do "Libération"
Como sempre foi apaixonado por política e adorava música, o historiador das idéias norte-americano Carl Schorske se tornou mundialmente conhecido como especialista na cultura
vienense do fim do século 19. E é exatamente esse um
dos temas de seu novo livro, "Pensando com a História", que está saindo no Brasil.
O interesse por política foi transmitido pelo pai, um
banqueiro nova-iorquino de antiga ascendência alemã,
que, contrário à entrada dos EUA na Primeira Guerra,
abraçou a causa socialista e pacifista.
O preconceito de que era vítima sua mãe, judia, mesmo num meio rico e culto, desenvolveu nele ainda mais
o gosto por certa marginalidade radical, como demonstra sua carreira universitária notável, mas agitada, da
universidade Wesleyane, em Ohio, para Berkeley e
Princeton. A história das idéias revelou-se o campo em
que seus dois grandes centros de interesse extracurriculares -música e política, além de pintura, arquitetura,
urbanismo, jardinagem-, podiam ser explorados não
de modo isolado, como o eram habitualmente, mas
conjuntamente, em sua imbricação com o tempo.
Essa questão da relação entre cultura e história foi estudada por Carl Schorske na Áustria da segunda metade do século 19, pois o país lhe parecia realmente exemplar da passagem européia para a modernidade: num
primeiro momento, ali domina o historicismo, a história encarregada de explicar uma sociedade que se industrializa em grande velocidade. Num segundo momento, no início do século 20, a modernidade se afirma
contra a história, e o modernismo passa a significar
uma prática cultural cujo elemento básico é a ruptura
com o passado em todos os domínios da cultura e das
artes, até a psicanálise, de Klimt a Kokoschka, de Mahler a Schoenberg, de Kraus a Loos, a Freud...
O resultado foi o seu já clássico "Viena Fin de Siècle"
(ed. da Unicamp/Companhia das Letras), retomado
neste "Pensando com a História".
Por que esse título?
O problema do livro é a passagem do historicismo ao
modernismo. Acredito que ambos fazem parte da
modernidade, que são modos de raciocínio historicamente determinados. O modernismo é uma mentalidade que produz sua própria visão de mundo
com materiais modernos, para se confrontar diretamente com a modernidade, enquanto esta é um conceito muito maior que o modernismo. O século 19
foi o século da história na medida em que, diante das
novidades políticas, industriais, demográficas, democráticas, ele se voltou para a história do passado,
já que não tinha outros instrumentos intelectuais para compreender
esses novos problemas.
E por que Viena é exemplar dessa passagem?
O historicismo não é um fenômeno apenas austríaco. Em toda a Europa a arquitetura do século 19 é
neogótica, neoclássica, isto é, eclética ao retomar os estilos do passado. Mas Paris foi
modernizada pela Revolução Francesa, e o desenvolvimento industrial é mais precoce e importante
na França do que na Europa Central e Áustria, onde
a cultura histórica coloca sobretudo a questão da
adoção do sistema parlamentar e da constituição de
uma nação em um império multinacional. Em Viena, o projeto e a arquitetura da Ringstrasse (avenida
que contorna o centro da cidade, construída a partir
de 1857 pelo imperador Francisco José 1º) simbolizam perfeitamente essa transição.
Crise e modernidade parecem então caminhar juntas.
Essa crise é vista em Paris na metade do
século, quando surge uma cultura da
modernidade emancipada do Iluminismo. Baudelaire (1821-1867) e os impressionistas são muito conscientes de viverem em uma época de transição. Na
Áustria a crise toma a forma de um conflito de gerações, o que não ocorreu em 1789. Os pintores da Secessão revoltam-se política e culturalmente contra o historicismo dominante. Isso me faz
pensar nas lutas da juventude antes e depois de 1968.
Não há uma visão geral da sociedade, mas a rejeição
da cultura dos pais: o liberalismo no caso austríaco
no final do século 19 e, mais recentemente, a luta pelos direitos civis, a liberação sexual, a emancipação
dos negros e das mulheres...
Visto dos EUA, por um historiador especializado em cultura austríaca, o que significa o líder de extrema direita
Joerg Haider?
As duas correntes centrais da história moderna da
Áustria são, de um lado, as tradições católica e barroca, que irão alimentar a sensibilidade e a sensualidade do estetismo fim-de-século, e, de outro, a tradição
protestante da palavra, ancorada na universidade,
própria do Iluminismo e incentivada pelo absolutismo esclarecido dos Habsburgos. O Partido do Povo
(do atual premiê Wolfgang Schuessel, que forma
com o Partido da Liberdade, de Haider, a primeira
coalizão de extrema direita a governar um país europeu desde o fim da Segunda Guerra) e o Partido Social Democrata são seus herdeiros diretos, enquanto
o nacionalismo de Haider representa um terceiro
pólo que sempre foi minoritário na Áustria. Como
no passado, a evolução da situação depende do que
acontecerá no resto da Europa.
Depois de dedicar sua vida a acrescentar cultura à história, o senhor parece envolvido na tarefa inversa.
É uma espécie de serviço que presto o de introduzir
história nos programas de música, em manifestações artísticas... Como conselheiro histórico, estive
ligado a uma grande exposição sobre Viena que
aconteceu há pouco em Paris e que foi uma oportunidade maravilhosa para mim, que me permitiu trabalhar as relações entre arte e cultura. Também pretendo continuar trabalhando para que o mundo artístico e a história da cultura se enriqueçam através
de um esclarecimento recíproco.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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