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OS NOVOS DEZ MANDAMENTOS
Renato Janine Ribeiro
Alguns anos atrás, aqui no "Mais!", em plena ruína da
aventura collorida, alertei para um risco embutido num
movimento com o qual, por sinal, eu simpatizava: a
procura da ética na política. Isso porque muitas vezes,
quando se fala em ética, o que se quer é uma relação de
coisas certas e erradas -um decálogo como o bíblico,
que, na verdade, nos dispensa de termos de escolher
por nós mesmos, pagando todos os preços que disso
decorrem. A liberdade implica a incerteza, a possibilidade de erro, danos sem fim. Continuo pensando assim. Mas mandamentos podem, até estilisticamente,
lembrar aforismos. Isso significa enfraquecer o imperativo e aumentar a liberdade. Mas vamos lá:
1. Não sigas mandamentos. Lê aforismos.
2. Desconfia do imperativo. Vive no indicativo.
Pensa no subjuntivo. Sonha no infinitivo.
3. Não confundas lei e consciência, mandamento e
liberdade, o conforto da manada obediente e a solidão
do indivíduo que escolhe.
4. Quando a lei for votada democraticamente, e por
isso tiver legitimidade, obedece-a, mesmo que o
conteúdo dela contrarie tuas convicções.
5. Mas, como é pequeno o território da vida que pode
ser legislado, não deixes que a lei drene os pantanais,
incendeie os cerrados ou devaste as matas
em que seguirás tua consciência ou teus desejos.
6. Segue a consciência, quando estiveres disposto a pagar
o preço (em francês "prix") por ela: por exemplo,
no mundo que conheço melhor, que é o da
universidade, um sem-fim de fofocas ou conchavos
que podem esvaziar o seu entorno.
7. Segue a consciência, quando estiveres disposto a ganhar
o prêmio (em francês, também "prix") por ela: como
sentir-se mais firme, mais íntegro, sem dívidas
sórdidas.
8. Entre alimentar dívidas e dúvidas, prefere estas
últimas. Mas não negues as dívidas que tens: aquilo
que aprendeste ou ouviste com outrem. Há uma
beleza na gratidão.
9. Desconfia da tua consciência, quando ela te deixar
muito em paz contigo mesmo. É dificílimo ter certeza
do que é certo. Certeza em excesso produz uma
mercadoria muito duvidosa, que é a convicção de que
estás certo e os outros, errados. Muitas vezes, a
consciência apenas mascara o que menos
conhecemos em nós mesmos, aquilo que desejamos.
10. Lembra que os desejos, quando assumidos, quando
expostos à luz, provavelmente serão menos nocivos,
para ti e para o mundo, do que quando se ocultam
sob a capa da boa consciência e da moralidade
socialmente aceita. Desconfia das justificações muito
nobres, sobretudo quando tu mesmo as enunciares.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na
USP, autor de "A Etiqueta no Antigo Regime", "A Última Razão dos Reis
-Ensaios de Filosofia e de Política" (Companhia das Letras) e "Ao Leitor
sem Medo" (Ed. da UFMG).
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