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Onetti e a recusa da vida
Juan José Saer
Em Paris, na sede da Unesco (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura),
organizado pelo Centro de Estudos de Literaturas e Civilizações do Rio
da Prata (Celcirp), realizou-se, entre 13 e
14 de dezembro, um colóquio internacional sobre a obra de Juan Carlos Onetti
(1909-1994), que contou com a presença
de Dorotea Muhr, a "Dolly", viúva do
grande escritor uruguaio. Estudiosos
vindos do Uruguai e da Argentina, mas
também da França, da Holanda, da Itália, da Espanha, da Inglaterra e dos Estados Unidos, debateram durante esses
dois dias alguns pontos cruciais de sua
obra, como seus primeiros e seus últimos romances.
Isto é particularmente interessante
porque, até agora, a crítica se ocupara sobretudo do período 1950-1970, essas
duas décadas decisivas de sua produção
narrativa, durante as quais vieram à luz
seus três grandes textos novelísticos
(grandes principalmente por seu valor literário) que são "La Vida Breve", "Los
Adioses" (1954) e "El Astillero", sem falar
de alguns contos e novelas excepcionais
e célebres como "El Infierno Tan Temido", "La Cara de la Desgracia", "Jacob y
el Otro", "Tan Triste como Ela" ou a curiosíssima "Para una Tumba sin Nombre", de 1959.
Território imaginário
As comunicações e os debates giraram em torno de
alguns conhecidos temas onettianos, sobre os quais lançaram novas luzes, como
o estatuto do território imaginário de
Santa María, a cidade mítica onde transcorre boa parte de sua ficção, e o fascínio
pelo mal, pela angústia e pelo fracasso.
Mas também houve lugar para a análise
das histórias que o narrador uruguaio
ambientou em Buenos Aires, da onipresença do dinheiro em alguns de seus textos, da filiação expressionista de muitos
de seus procedimentos literários, dos
elementos autobiográficos de seu primeiro romance, "El Pozo", escrito em
1939.
Além disso, apresentou-se um estudo
convincente em que, analisando um dos
personagens de "Dejemos Hablar al
Viento", o comissário Medina, pintor
nas horas vagas, identifica-se Onetti com
Francis Bacon. Este, como Onetti, nasceu
em 1909 e, também como ele, morreu em
Madri. Mas o que mais une o pintor inglês e o escritor uruguaio é sua coincidência artística nessa torturada galeria
de retratos que os dois compuseram,
com o pincel ou com a palavra. (A legendária inclinação de ambos pelo álcool
constitui, sem dúvida, outro importante
traço identificador).
A presença de Dolly Onetti, que assistiu a todos os debates, longe de inibir os
participantes quando era necessário expor alguns aspectos biográficos do autor
de "Los Adioses", contribuiu para criar
um clima de sinceridade e espontaneidade graças ao qual todos os planos de uma
vida e uma obra de indubitável complexidade puderam ser discutidos livremente. À diferença de tantas viúvas abusivas que, quando não se valem do silêncio forçado do marido para usurpar o
uso da palavra, leiloam seus textos ou
procuram envolver o autor numa nuvem
de solenidade, Dolly Onetti encantou os
participantes com sua simplicidade, seu
humor e seu bom senso.
Assim como o marido, com quem
compartilhou uma atribulada existência
ao longo de quase 50 anos, Dolly Onetti
também é artista: violinista profissional,
integrou importantes grupos musicais
rio-platenses e espanhóis. Onetti dedicou a ela seu melhor conto, "La Cara de
la Desgracia", com uma estranha e bela
fórmula que insinua um sentido cifrado
só alcançável por eles dois: "Para Dorotea Muhr - ignorado cão da dita".
E, entre os manuscritos de um de seus
últimos livros, Onetti tinha preparada
uma segunda dedicatória, que acabou
não sendo publicada, cujo acento afetuoso, mas cheio de malícia, revela a irônica
cumplicidade desse longo relacionamento: "Para Dorotea Muhr, que me
vem amando há mais tempo que nenhuma outra, e mentindo menos que as demais, e melhor".
Uma convicção nasceu nos participantes no final desses dois intensos dias: a
admiração pelos livros de Onetti é indissociável do afeto que inspira o homem
que os escreveu. Poucos escritores rio-platenses suscitam esse sentimento. No
caso de Borges, por exemplo, para muitos de seus leitores, só a admiração sobreviveu à sua velhice contraditória e
agitada. Se pensamos em Arlt ou em Felisberto Hernández, vemos que às vezes,
por causa da estudada ingenuidade que
professaram, à parte seu singular talento
literário, o carinho que eles nos inspiram
como indivíduos não é isento de uma leve condescendência.
Apesar de suas sutis preocupações formais, o mundo de Onetti transcende modas literárias ou os programas vanguardistas, instalando-se numa faixa emocional comum a todos os seus leitores; é por isso que o homem e a obra são inseparáveis e igualmente apreciados
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Dois planos
Os leitores jovens têm o
hábito de se projetar apaixonadamente
no autor que lêem, mas, em geral, a idade
adulta ensina a distinguir o homem da
obra. Onetti tem o invejável mérito de ser
apreciado nos dois planos ao mesmo
tempo até por seus leitores adultos.
Aqueles que o conheceram e conviveram
com ele, seus amigos, podem idealizá-lo
agora que o homem está ausente e só restam seus livros. Mas essa impressão de
amizade e de intimidade com a pessoa
que os escreveu também invade aqueles
que nunca o conheceram.
Sua obra e sua pessoa, porém, não procuram seduzir nem tranquilizar. Sabemos que, para Onetti, o terrível final de
"El Astillero", com sua desesperada recusa da vida, da compaixão, sua negação
de toda felicidade e de toda esperança,
não era uma simples cena literária e sim
a expressão de um profundo sentimento
de derrota. Se ele desperta a nossa simpatia, é porque não ignoramos que essa
situação sem saída é a de cada um de nós.
Apesar de suas sutis preocupações formais, o mundo de Onetti transcende as
modas literárias ou os programas vanguardistas, instalando-se numa faixa
emocional que é comum a todos os seus
leitores. É por isso que o homem e a obra
são inseparáveis e igualmente apreciados. O homem Onetti não se vale de sua
obra para mascarar sua fragilidade, e sim
para expô-la e refletir sobre ela.
Técnica de montagem
Os trabalhos dedicados aos últimos textos de
Onetti despertaram interesse porque,
apesar de alguns críticos sustentarem
que essas obras têm menos valor literário, elas são ricas como documentos sobre a vida e a obra de seu autor. Além disso, a análise de seus manuscritos mostra
uma elaboração sinuosa e fragmentária,
em que a linearidade do texto que chega
aos leitores é obtida no final, graças a
uma técnica de montagem. Mas, seja
qual for o valor dessas obras, uma coisa é
certa: se nos últimos anos de vida o homem Onetti foi vencido pelas forças que
puxam para baixo -o álcool, a perda de
toda ilusão, a tristeza, a velhice e a doença-, o escritor continuava vivo, persistindo no gesto inexplicável da escritura,
no qual seus últimos sobressaltos de
energia se concentraram.
Podemos supor que as razões dessa
obstinação final por realizar o ato talvez
inútil de escrever no limiar do nada tenham sido definidas por ele mesmo,
muitos anos antes de sua morte, como "a
vontade de não se entregar, de não aceitar o mundo extravagante que os outros
povoam e defendem".
Juan José Saer é escritor e ensaísta argentino,
autor de, entre outros, "A Pesquisa" e "Ninguém
Nada Nunca" (Companhia das Letras). Escreve
mensalmente na seção "Autores", do Mais!.
Tradução de Sergio Molina.
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