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PONTO DE FUGA
O espírito e o bezerro
JORGE COLI
em Nova York
Uma inflexão romântica prolonga-se na música de Schoenberg. Ao contrário da perfeição
rarefeita de Webern e da polifonia liricamente expressionista de Berg, Schoenberg mantém sempre, apesar de seus
princípios de ruptura, um
grande e misterioso sentimento destinado a arrebatar platéias. A "Met", em NY, apresenta pela primeira vez na sua
história "Moses und Aaron",
ópera inacabada, cuja música
foi escrita entre 1930 e 1932. A
obra traz uma questão espiritual, de cunho religioso: como
é possível nomear Deus, como
é possível comunicá-lo aos
mortais comuns sem desfigurar o caráter inaccessível de sua
natureza? Moisés é o contemplativo. Mas recebeu a mensagem do Deus invisível para
conduzir o povo de Israel à liberdade. Aarão é aquele que fala, porém de modo enganoso,
porque a natureza da palavra é
falha. Ele inventa o bezerro de
ouro, falso ídolo. Os românticos imaginavam que a música
seria mais própria para chegar
ao incompreensível. "Moses
und Aaron" indica alguns desses caminhos. A ópera do século passado cruzou teatro e templo, com frequência e com sucesso: basta pensar em "Parsifal". Não é estapafúrdio, assim, aproximar "Moses und
Aaron" de "Samson et Dalila", de Saint-Saëns: ambas
possuem o mesmo recorte solene, um pouco estático, de
oratório, trazido pelo tema bíblico, ambas empregam grandes massas corais e desenvolvem uma sensualidade que explode numa cena orgíaca de
balé, de fabuloso efeito orquestral.
CENA - Ópera sobre o divino, "Moses und Aaron" é diabolicamente arrebatadora. O
público nova-iorquino ficou
tomado e suspenso até o fim,
como na "Bohème" ou no
"Trovatore". Foi, até agora, e
de longe, o melhor espetáculo
da temporada de óperas. James
Levine regeu de modo enfático
e superficial, mas revelou uma
superfície sonora de efeitos rutilantes. Contudo a profundidade da obra manteve-se também, em grande parte, graças a
John Tomlinson -o maior
Wotan dos nossos dias-, que
encarnou o papel de Moisés.
Schoenberg surgiu voluptuoso, muito distante da concepção austera e mental de sua
música, traçada por Adorno. A
dança do bezerro de ouro é
pulsante de erótica barbárie, a
fraternidade entre Moisés e
Aarão, feita de equívocos, exprime-se de modo caloroso e
veemente. Em 1930, isto é, no
momento do retorno à ordem,
quando um Stravinsky buscava a contenção neoclássica,
Schoenberg entrega-se ao fervor de uma inspiração que vibra. Interrompido pelo exílio
ao qual o nazismo o condenou,
Schoenberg nunca mais pôde
reencontrar o clima criador
inicial para completar o último
ato de sua obra.
PERDIDO NO ESPAÇO -
"Soldier" encontra-se entre o
videogame -o filme de estréia
de seu diretor Paul Anderson
foi "Mortal Kombat"- e a
space-opera, com reminiscências do western, de "Rambo",
de "Mad Max", insistindo em
situações simplistas e explorando a violência. É narrado
como uma história infantil, de
uma ingenuidade desconcertante. Porém, depois de "Formiguinhaz" e de "The Siege",
"Soldier" bate na tecla do antimilitarismo, do horror às sociedades totalitárias e do apelo
a um humanismo primário.
MESTRE - "The DC Archive
Editions" é uma coleção que
reedita, com cuidados de bibliófilo, em excelente papel e
capa dura, as aventuras de históricos personagens dos quadrinhos. Na virada do ano, um
espesso volume foi consagrado
a "Plastic Man", no Brasil o
"Homem-Borracha", super-herói estranho e original.
Ele foi criado em 1941, por Jack
Cole, que escrevia e desenhava
as histórias bizarras com um
traço inconfundível e uma
concepção habilíssima do espaço. Cole suicidou-se em
1958.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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