|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
"Palavras sem Fronteiras" faz inventário de vocábulos presentes hoje em diversos idiomas
Viajantes internacionais
John Robert Schmitz
especial para a Folha
No início de um novo milênio é muito feliz a publicação da obra "Palavras sem Fronteiras", de Sergio Corrêa
da Costa, diplomata, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras.
Numa apresentação agradável, o autor
arrola uma gama de vocábulos de diferentes origens que emigraram aos quatro cantos do mundo e tornaram-se "cidadãos" de diferentes nações, recusaram
limites e circularam livremente nos diferentes idiomas do mundo.
A obra é um estudo de intercâmbio e
contato linguístico. Algumas línguas exportam termos, ao passo que outras os
importam. O inglês, ao longo de sua história, acolheu milhares de palavras de
origem estrangeira; mas também é o
idioma que mais contribui com termos
técnicos e vocábulos para outras línguas.
Daí se vê que esse intercâmbio reflete
questões de poder de ordem política,
econômica e cultural. Nem todos os idiomas do mundo recebem termos e vocábulos de culturas e povos alheios. Os
idiomas sem tradição de escrita, considerados "línguas ágrafas", normalmente
não incorporam termos como "entourage", "mea culpa" ou "realpolitik", pois
não sentem necessidade desses termos.
O livro está organizado em duas partes:
a primeira, subdividida em sete capítulos, apresenta a contribuição do francês,
do latim, do inglês, do italiano e do espanhol, do alemão e do russo, além de um
caleidoscópio de outros idiomas do
mundo que contribuíram com termos e
conceitos para a cultura mundial. A segunda parte, com 12 capítulos, é um dicionário de palavras ou "coleção de
exemplos de uso", de origem estrangeira
em circulação internacional.
Ameaça à soberania
O livro de
Corrêa da Costa apresenta os termos de
informática que penetram em todas as principais línguas do mundo.
Quem acredita que a pletora de palavras de origem estrangeira contribui
para enfraquecer o português, sem sombra de dúvida, ao lançar mão dessa obra, vai inteirar-se de que a idéia não procede. A presença de palavras estrangeiras no português do Brasil (e mesmo de Portugal)
contribui para o desenvolvimento do
próprio idioma. Nas palavras de Jorge
Coli: "Acontece que língua é um elemento de cultura, e que cultura, por mais que
queira, vive na mestiçagem, na mais gostosa impureza!" (Mais! de 9/4).
Para os que têm receio dos "outros"
que aparecem na forma de palavras estrangeiras em uso corrente na língua nacional, a leitura de "Palavras sem Fronteiras" serve como oportunidade para
mostrar que a presença de
termos e palavras desses
"forasteiros" na realidade
enriquece o idioma.
Quem pensa que as grafias de diferentes línguas
estrangeiras contribuem
para desfigurar o português, tomará conhecimento de que várias línguas se apropriam dessas palavras
estrangeiras sem exigir, em todos os casos, que elas se "dispam" de sua própria
ortografia para vestir uma roupagem devidamente nacionalizada. Alguns vocábulos de origem estrangeira se aportuguesam graficamente sem maiores problemas, como: "contêiner", "caubói" e
"copidesque", enquanto outros mantêm
sua indumentária de origem. À guisa de
exemplo: "tailleur", "overdose" e "paparazzo".
Para alguns observadores, a enxurrada
de termos estrangeiros, especialmente os
de língua inglesa, é uma ameaça à soberania nacional. Um estudo cuidadoso do
livro mostra que o ingresso de termos estrangeiros oriundos do inglês ou de outro idioma é irreversível. Um país não
perde sua soberania porque os falantes
recorrem às palavras de origem estrangeira. Existem outras condições que
ameaçam a soberania. A justaposição de
língua versus soberania camufla o verdadeiro problema: a corrupção, a desorganização, a privatização excessiva, a falta
de uma política firme para atenuar as desigualdades sociais, a desnacionalização
açodada e a subserviência às determinações de fundos internacionais de apoio.
O grande mérito de "Palavras sem
Fronteiras" é a documentação com citações retiradas de livros e jornais que contêm vocábulos de origem francesa em
uso atual no português. A palavra francesa "tournée/tourné/turnê" é um excelente exemplo de um "viajante internacional" que ingressou em seis diferentes
idiomas: alemão, espanhol, italiano, flamengo, russo e português.
O livro é de leitura essencial para todos
os especialistas que trabalham com a linguagem, estudam diferentes idiomas e
têm interesse no pleno desenvolvimento
do português como língua internacional.
"Palavras sem Fronteiras" serve como
um "vade mecum", uma das muitas expressões latinas citadas por Corrêa da
Costa que têm por significado um livro
de consulta que deve sempre estar ao alcance dos seus leitores.
Palavras sem Fronteiras
862 págs., R$ 60,00
de Sergio Corrêa da Costa. Ed.
Record (r. Argentina, 171, CEP
20921-380, RJ, tel. 0/xx/21/
585-2000).
John Robert Schmitz é professor titular de linguística aplicada no Instituto de Estudos da Linguagem (Universidade Estadual de Campinas).
Texto Anterior: + livros lançamentos Próximo Texto: Bernardo Carvalho: A radicalidade discreta de uma prosa hostil Índice
|