São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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"Palavras sem Fronteiras" faz inventário de vocábulos presentes hoje em diversos idiomas
Viajantes internacionais

John Robert Schmitz
especial para a Folha

No início de um novo milênio é muito feliz a publicação da obra "Palavras sem Fronteiras", de Sergio Corrêa da Costa, diplomata, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras. Numa apresentação agradável, o autor arrola uma gama de vocábulos de diferentes origens que emigraram aos quatro cantos do mundo e tornaram-se "cidadãos" de diferentes nações, recusaram limites e circularam livremente nos diferentes idiomas do mundo. A obra é um estudo de intercâmbio e contato linguístico. Algumas línguas exportam termos, ao passo que outras os importam. O inglês, ao longo de sua história, acolheu milhares de palavras de origem estrangeira; mas também é o idioma que mais contribui com termos técnicos e vocábulos para outras línguas. Daí se vê que esse intercâmbio reflete questões de poder de ordem política, econômica e cultural. Nem todos os idiomas do mundo recebem termos e vocábulos de culturas e povos alheios. Os idiomas sem tradição de escrita, considerados "línguas ágrafas", normalmente não incorporam termos como "entourage", "mea culpa" ou "realpolitik", pois não sentem necessidade desses termos. O livro está organizado em duas partes: a primeira, subdividida em sete capítulos, apresenta a contribuição do francês, do latim, do inglês, do italiano e do espanhol, do alemão e do russo, além de um caleidoscópio de outros idiomas do mundo que contribuíram com termos e conceitos para a cultura mundial. A segunda parte, com 12 capítulos, é um dicionário de palavras ou "coleção de exemplos de uso", de origem estrangeira em circulação internacional.

Ameaça à soberania
O livro de Corrêa da Costa apresenta os termos de informática que penetram em todas as principais línguas do mundo. Quem acredita que a pletora de palavras de origem estrangeira contribui para enfraquecer o português, sem sombra de dúvida, ao lançar mão dessa obra, vai inteirar-se de que a idéia não procede. A presença de palavras estrangeiras no português do Brasil (e mesmo de Portugal) contribui para o desenvolvimento do próprio idioma. Nas palavras de Jorge Coli: "Acontece que língua é um elemento de cultura, e que cultura, por mais que queira, vive na mestiçagem, na mais gostosa impureza!" (Mais! de 9/4).
Para os que têm receio dos "outros" que aparecem na forma de palavras estrangeiras em uso corrente na língua nacional, a leitura de "Palavras sem Fronteiras" serve como oportunidade para mostrar que a presença de termos e palavras desses "forasteiros" na realidade enriquece o idioma.
Quem pensa que as grafias de diferentes línguas estrangeiras contribuem para desfigurar o português, tomará conhecimento de que várias línguas se apropriam dessas palavras estrangeiras sem exigir, em todos os casos, que elas se "dispam" de sua própria ortografia para vestir uma roupagem devidamente nacionalizada. Alguns vocábulos de origem estrangeira se aportuguesam graficamente sem maiores problemas, como: "contêiner", "caubói" e "copidesque", enquanto outros mantêm sua indumentária de origem. À guisa de exemplo: "tailleur", "overdose" e "paparazzo".
Para alguns observadores, a enxurrada de termos estrangeiros, especialmente os de língua inglesa, é uma ameaça à soberania nacional. Um estudo cuidadoso do livro mostra que o ingresso de termos estrangeiros oriundos do inglês ou de outro idioma é irreversível. Um país não perde sua soberania porque os falantes recorrem às palavras de origem estrangeira. Existem outras condições que ameaçam a soberania. A justaposição de língua versus soberania camufla o verdadeiro problema: a corrupção, a desorganização, a privatização excessiva, a falta de uma política firme para atenuar as desigualdades sociais, a desnacionalização açodada e a subserviência às determinações de fundos internacionais de apoio.
O grande mérito de "Palavras sem Fronteiras" é a documentação com citações retiradas de livros e jornais que contêm vocábulos de origem francesa em uso atual no português. A palavra francesa "tournée/tourné/turnê" é um excelente exemplo de um "viajante internacional" que ingressou em seis diferentes idiomas: alemão, espanhol, italiano, flamengo, russo e português.
O livro é de leitura essencial para todos os especialistas que trabalham com a linguagem, estudam diferentes idiomas e têm interesse no pleno desenvolvimento do português como língua internacional. "Palavras sem Fronteiras" serve como um "vade mecum", uma das muitas expressões latinas citadas por Corrêa da Costa que têm por significado um livro de consulta que deve sempre estar ao alcance dos seus leitores.



Palavras sem Fronteiras
862 págs., R$ 60,00 de Sergio Corrêa da Costa. Ed. Record (r. Argentina, 171, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/xx/21/ 585-2000).



John Robert Schmitz é professor titular de linguística aplicada no Instituto de Estudos da Linguagem (Universidade Estadual de Campinas).

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