São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000 |
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Trecho Barloch - Tome esta outra! Você quer andar? Não quer andar? E agora começa com essas? Bem, isto está em minhas mãos, e você não pode fazer nada contra. Bum. Bum. Esta você notou, não é? Esta você notou. E ainda por cima fica atrevida? Era o que me faltava! Pois aí vai outra e outra e outra! Nesse ínterim o empacotador Barloch entra em cena. Empurra com seus grossos punhos um gigantesco fardo, cuidadosamente atado com cordas. Sua mulher Anna caminha atrás dele, choramingando e magra, dando leves e inúteis puxões nas cordas, como se quisesse reter o fardo. Anna - Isso você não pode fazer. Não fica bem. Barloch - O que não fica bem? Para mim tudo fica bem. Agora, quando eu quiser, despedaço a cidade inteira. Para mim, fica bem, a cidade inteira. (Dá um empurrão depois de cada frase.) Anna - Vai haver uma desgraça. Barloch - O que, uma desgraça! Não vai haver nenhuma desgraça. Isto precisa ir para o fogo, e vai para o fogo. Anna - Mas isso não é seu. Barloch - E quem vai jogá-lo no fogo? Eu! Anna - Mas isso é roubo de propriedade alheia. Barloch - Propriedade? Propriedade? Estamos bem com a propriedade. Isto não é nenhuma propriedade. Isto é um crime. Anna - Ouço todos chegando. Tenho tanto medo! Barloch - Você vai quando chegarem. Sou o grande herói. Você vai ver. Ouve-se aproximar um grande número de pessoas, e do barulho que fazem parece desprender-se um murmúrio que soa como Barloch, Barloch. Anna - Aí você tem. Tenho tanto medo! Barloch - Ande, sua tola! Sabe o que lhes direi quando chegarem? Dizer, não lhes direi nada. Mas vou fazer um discurso. Meus senhores, não fica bem eu estar fazendo isto.Com o suor de meu rosto, vou me levando como posso. Os senhores é que deviam tê-lo feito, e quem está fazendo sou eu. As fotografias, eu as roubei pessoalmente das casas. Elas estão proibidas. Se vão ao fogo agora ou mais tarde, tanto faz. Elas estão proibidas. E não fica bem que haja frutos proibidos. O fruto de meu amargo suor é este pacote, que é pequeno, mas porque não tive tempo para ir a outras casas. E agora digam-me os senhores se não tenho razão. Trecho extraído de "Comédia da Vaidade", de Elias Canetti. Tradução de Ruth Röhl. Texto Anterior: + primeira leitura - Roberto Romano: O teatro terrível de Elias Canetti Próximo Texto: José Simão: Acorda Brasil! Que eu vou dormir! Índice |
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