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O fim do exotismo americano
Em texto que está saindo no Brasil, o escritor Alejo Carpentier enfoca a assimilação da cultura do continente pelos europeus
ALEJO CARPENTIER
Exótico", diz qualquer
dicionário, é "o estrangeiro, o peregrino": "animal exótico,
planta exótica". "Exótico" -não dizia qualquer dicionário há 50 anos, porque os
dicionários observam certa polidez para com os consulentes- era o latino-americano
aos olhos do europeu.
Para ser mais exato, do europeu situado acima desses Pireneus, que, segundo uma frase
tão célebre quanto cruel, marcavam o início do continente
de baixo -continente de somenos, que, diga-se de passagem,
está despertando de forma espantosa depois de oito séculos
de modorra, anunciando-se como uma presença que deverá
ter grande peso num futuro
próximo.
Para a Espanha, por razões
que todos conhecemos, amamos e padecemos, nunca fomos exóticos, porque nenhum
caminho percorrido pelo nosso
próprio sangue pode ser exótico. Mas, para os homens à margem do magno acontecimento
da conquista e que só avistaram nosso continente da borda
de navios flibusteiros ou sob a
aba do chapéu de Pauline Bonaparte, fomos durante muito
tempo os grandes exóticos do
planeta.
O Segundo Império francês
conheceu-nos na pessoa de Solano López, futuro ditador do
Paraguai, que andava pelas
ruas de Paris todo empenachado e escoltado por uma banda
de música. Também havia um
milionário brasileiro, celebrizado por uma opereta de Offenbach ["A vida parisiense"]...
Festa Inca
O século 18 nos enxergava
por meio da Festa Inca, que
constitui uma das passagens
capitais de "As Índias Galantes", de Rameau [músico francês, 1683-1764]. Voltaire tratou-nos com ironia; Montaigne, com benevolência e fé em
nosso futuro; Goethe, com entusiasmo diante da visão do que
tínhamos por fazer. No mais,
porém, fomos em geral, e até há
bem pouco, a "planta exótica"
dos dicionários. E o exótico é o
que está fora: fora do que se tem
por verdade na cultura de uma
época, em sua vida civil, nos
usos e costumes que determinam seu estilo.
Mas eis que, num belo dia, a
Europa se maravilha com a revelação de "Redes" [1936], o
magistral filme [de Emilio Gómez Muriel e Fred Zinnemann] que marcou o início do
auge mundial do cinema mexicano (o cinema de um país deve
construir seu prestígio com filmes de qualidade; não com as
produções ditas "comerciais").
Com "Redes" veio também a
magnífica trilha sonora de Silvestre Revueltas. Seguiu-se o
compasso de espera da guerra.
O que está fora
Mas, terminado o conflito,
vieram as palmas de Cannes
para filmes latino-americanos.
E os festivais de Heitor Villa-Lobos. E a tradução para o francês do "Canto Geral", de Neruda (em português, pela Bertrand Brasil). E a premiação literária de "O Senhor Presidente", de Miguel Ángel Asturias. E
o sucesso de "Montserrat" (peça de Emmanuel Roblès), com
sua ação situada na Venezuela.
E uma dezena de romances
latino-americanos traduzidos
para línguas européias. E a descoberta das nascentes do Orenoco. E a prodigiosa exposição
de arte mexicana em Paris.
O exótico, por definição, é
aquilo que está fora. Tudo o que
os gregos chamam "os bárbaros". Gente do Ponto Euxino,
lestrigões, hiperbóreos... Mas,
em menos de dez anos, os bárbaros, os paramantes, os lotófagos apresentaram seus cartões
de visita.
E esses cartões eram tão
bons, com seus caracteres em
bom relevo de celulóide, de
música, de papel impresso, que
hoje, na Alemanha, na França,
há gente fazendo -pasmem!-
falsa literatura latino-americana. Ou seja, romances que se
passam no México, no Brasil,
na Venezuela.
E há mais: um curioso autor
teve a inacreditável idéia de
converter em romance a ação
de... "Os Sertões", de Euclydes
da Cunha, um clássico da literatura brasileira. E outro imaginou uma ação girando em torno da construção de uma ponte
sobre o rio Casiquiare...
Como diziam os índios de
uma charge de um admirável
humorista -índios que contemplavam com melancolia a
chegada das caravelas de Colombo: "Caramba! Já nos descobriram!...".
Este foi texto foi publicado em 2/9/52 e está incluído em "Vozes da América", que está sendo
lançado pela editora Martins.
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