São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Uma trama delicada O historiador Herbert Klein diz que Evo Morales é um político articulado e que o Brasil nunca teve muito impacto na América Latina
LEILA SUWWAN FOLHA - O sr. avalia que há mais fumaça que fogo na relação entre Brasil e Bolívia? HERBERT KLEIN - O que há são negociações, tudo depende do que o Brasil vai aceitar. Todo mundo ficou chateado com o uso das tropas. Mas os soldados chegaram, as fotos foram feitas e depois eles voltaram para casa. Há duas coisas talvez mais importantes, que atraem menos atenção: a reforma agrária em Santa Cruz e as convenções constitucionais, em julho. FOLHA - A colaboração de Chávez também preocupa? KLEIN - O governo americano está surpreendentemente silencioso. Os EUA, que defendem a erradicação da coca, estão quietos, não fizeram ameaças. Parece que todos querem dar algum espaço para Evo Morales. Com Lula foi rompido um acordo de cavalheiros, e Chávez se intrometeu. FOLHA - Os outros países avaliam que escantear Morales pode levar a uma radicalização? KLEIN - Acham que é melhor seguir a maré por enquanto. O ponto mais explosivo é interno, a questão com Santa Cruz. FOLHA - Mexe com a elite? KLEIN - A elite de Santa Cruz são os grandes fazendeiros comerciais. Santa Cruz quer "autonomia", Assembléia Legislativa e governo estadual. Quer mais controle sobre as finanças públicas, sobre impostos e sobre a renda do gás e do petróleo. É uma situação muito delicada. Morales tem um tremendo apoio popular e um apoio passivo da elite, que aguarda para ver até onde ele vai chegar. Se tomar propriedades, haverá hostilidades. FOLHA - Lula foi criticado pela postura mansa. A diplomacia brasileira foi humilhada? KLEIN - Ninguém esperava que Chávez tivesse tanta participação. Ele está muito ativo, em plena campanha latino-americana, e Lula ficou de fora. Mas não havia muito o que fazer. O governo boliviano tinha um compromisso com essa ação. O Brasil nunca teve muito impacto no resto da América Latina, essa é a verdade. Os brasileiros nem sequer sabem muito sobre a Bolívia. O Lula faz parte da esquerda emergente, mas seu impacto foi na disputa com os EUA e a União Européia sobre tarifas agrícolas. FOLHA - A aliança Morales-Chávez respingou nas eleições vizinhas, no Peru e no México? KLEIN - Eu acho que estão fazendo uma leitura incorreta, negativa, de contrabalanceamento ativo da força dos EUA. Mas é mais complexo que isso. O que o Chávez fez de concreto no México? No Peru, a questão política é difícil, fraturada. Temos um candidato que inventou um partido na semana passada [Ollanta Humala] e um ex-presidente que talvez tenha tido a gestão mais desastrosa da história [Alan García]. FOLHA - O sr. concorda que há duas esquerdas na América Latina, uma de Chávez-Fidel-Morales, mais autoritária e menos ortodoxa, e outra de Lula-Bachelet-Kirchner? KLEIN - Com relação à Bolívia, estamos vendo um movimento de descentralização do governo a favor da federalização. Os partidos estão sendo reorganizados, até comunidades de camponeses podem ter participação política. Então há uma reforma na democracia representativa. Estão revendo como serão eleitos os representantes -só por partidos políticos ou também por meio de grupos da sociedade civil? Estão dispostos a fazer experimentos. FOLHA - Isso justifica o temor de redução da democracia, conforme
alardeiam os EUA?
KLEIN - Isso é um assunto interno boliviano. Há um elemento forte, a questão étnica.
Os indígenas querem representação, aceitação cultural. Mas
não há clima revolucionário. |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |