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Jogos encantados
Em incursões na literatura infantil, William Faulkner e Julio Cortázar mergulham os leitores na intriga e na fantasia
TATIANA BELINKY
ESPECIAL PARA A FOLHA
F
aulkner, baixinho e
franzino filho de família rica, gostava de ouvir histórias populares, de viver aventuras,
da caça e da pesca e, claro, de
ler muito. Tanto que acabou
perdendo um bom emprego,
despedido "por ler demais".
Coisa que jamais acontecerá
com os leitores, jovens ou adultos, dos seus livros empolgantes, mas por vezes sombrios e
difíceis de ler.
Quando escreveu "A Árvore
dos Desejos" para uma menina,
Victoria, que fazia nove anos,
ele, William Faulkner [1897-1962], um dos maiores autores
norte-americanos do século
20, ainda era jovem, mas já
prometia o que, mais tarde, lhe
daria o Nobel de Literatura.
Em boa hora, a sempre criteriosa editora Cosac Naify apresenta-o ao jovem leitor brasileiro, na agradável e fluente
tradução de Leonardo Fróes,
com as ilustrações "diferentes"
em preto e branco, que fazem
justiça ao texto.
Ele se presta mais ao público
pré-adolescente já afeito à leitura de textos também fluentes, mas interessa com certeza
aos leitores menores, que já
"sabem ler".
O livro é uma verdadeira explosão de fantasia, criatividade,
à procura da -claro!- realização dos mais variados e mesmo
absurdos desejos, dos seus vários e bem diversos personagens, que o leitor curioso vai
conhecendo ao longo das aventuras, surpresas, sustos, trancos e barrancos, e toda sorte de
curiosas e mirabolantes acontecências.
São muitas aventuras com a
variada "turma" dessa história.
Só pra mencionar alguns
personagens: Dulcie, a menina
que acorda, na manhã do seu
aniversário, e dá com um misterioso -e mágico- menino
ruivo, que, como ele mesmo explicou, apareceu porque ela,
Dulcie, a protagonista, provocou tudo, porque, na véspera,
subiu na cama do lado esquerdo e, antes de adormecer, virou
o travesseiro de lado, que é,
quando em dia de aniversário,
"tudo pode acontecer".
Como de fato aconteceu, a
começar pelo aparecimento
dele próprio, o garoto ruivo de
olhos faiscantes.
Para o jovem leitor brasileiro, algumas coisas podem até
lembrar momentos do Sítio do
Pica-Pau Amarelo, com o poder mágico do faz de conta da
Emília e do pó de pirlimpimpim... Mas não é bem por aí.
De qualquer forma, no grupo
multicor que vai crescendo ao
longo da história, têm lugar
coisas incríveis, umas boas, outras nem tanto, que mexem
com as cabeças e os sentimentos dos personagens.
Mas as coisas, neste livro em
geral alegre, divertido e emocionante, passam "de raspão"
em assuntos sérios, que dão
que pensar, momentos mais
tristes, reflexões sobre a guerra. E, quem diria, até são Francisco passa pela história, com
ideias franciscanamente sensatas e construtivas, porque nem
todos os desejos são "bons"...
Em suma, como já disse no
começo, essa "explosão" de
fantasia não abre mão de "insuflar" alguns pensamentos interessantes. E de oferecer muita
diversão...
Urso amigo
No caso de Julio Cortázar
[1914-84], o título brasileiro
deste seu "monólogo" do urso
soa até melhor do que o original espanhol -porque, sendo
rimado, fica ainda mais engraçado e convidativo.
Qualquer criança ficará encantada com este urso vermelho (que, na minha infância europeia, era o "limpa-chaminés
humano", "preto" de fuligem e
sempre simpático. E hoje, aqui,
existe um tal de "roto-rooter"
mecânico e sem nenhum
carisma).
Mas o urso deste "discurso" é
um grande amigo dos moradores do prédio; que passa os dias
trabalhando, sempre bem humorado, penetrando de todos
os jeitos, até de cambalhota,
pelos encanamentos, prestando importantes serviços aos
moradores -que às vezes até
reclamam, porque não entenderam nada.
Para descansar, o urso sai pela chaminé e respira o ar fresco
enquanto aprecia a paisagem
noturna.
E até nada na caixa d'água,
como o jovem leitor se divertirá lendo ou ouvindo o delicioso
texto, na impecável tradução
do poeta e escritor Leo Cunha,
enriquecido pelas grandes, alegres e atraentes ilustrações de
Emilio Urberuaga.
Este "depoimento" do urso
-"Discurso del Oso"- faz parte do famoso livro "Histórias de
Cronópios e de Famas", do seu
ainda mais famoso autor, que
tem uma história pessoal complicada.
Nascido na Embaixada Argentina na Bélgica, de pais argentinos, "voltou" à Argentina
aos quatro anos de idade e, sem
os pais, separados, foi criado
por três mulheres: a mãe, uma
tia e uma avó.
Chegou a dizer, certa vez:
"Passei minha infância em uma
bruma de duendes, de elfos,
com um sentido de tempo e espaço diferentes dos outros".
De saúde frágil, ficava muitas
vezes na cama, lendo os livros
que sua mãe lhe trazia.
Cortázar, parece, nasceu escritor. Mas não sem passar por
muitas experiências na vida: foi
professor universitário de literatura, poeta, contista, novelista, tradutor da Unesco e de
grandes escritores e passou por
postos e cargos oficiais importantes, aos quais, por sinal, renunciou [após as eleições de
1945] quando Perón virou presidente da Argentina.
Isso, claro, porque Cortázar,
como intelectual que era, sempre se interessou pela política,
especialmente no seu país, sob
a ditadura peronista.
Participou de diversos projetos e movimentos internacionais, esteve em muitos países
da América Latina. E ganhou
vários prêmios internacionais
dos mais importantes.
Nos últimos anos, estabeleceu-se em Paris, já naturalizado francês, onde morreu e foi
enterrado no cemitério de
Montparnasse -com a imagem na sua tumba de um "cronópio". E mesmo a Argentina, a
pátria à qual ele renunciara por
idealismo, tem uma praça com
seu nome em Buenos Aires.
Cortázar deixou uma obra
vasta e variada, com alguns livros que se tornaram clássicos,
como "O Jogo da Amarelinha",
novela originalíssima que o
tornou instantaneamente famoso. Eu nem sabia que ele escrevia para crianças...
Quem já conhece alguma
parte da sua rica obra "adulta"
ficará surpreso (e as crianças ficarão encantadas), desde a capa do livro, com o humor e a
graça deste "Discurso do Urso",
tão simpático e, por que não,
poético e até, quem diria, um
tanto "instrutivo"... Porque tudo "educa", não é mesmo?
TATIANA BELINKY, 90, é escritora e autora de
livros infanto-juvenis.
A ÁRVORE DOS DESEJOS
Autor: William Faulkner
Tradução: Leonardo Fróes
Ilustrações: Guazzelli
Editora: Cosac Naify (tel. 0/xx/11/
3218-1444)
Quanto: R$ 42 (56 págs.)
DISCURSO DO URSO
Autor: Julio Cortázar
Tradução: Leo Cunha
Ilustrações: Emilio Urberuaga
Editora: Record (tel. 0/xx/ 21/2585-2000)
Quanto: R$ 30 ( 28 págs.)
Leia também texto de
Tatiana Belinky sobre
"Meus Contos Africanos",
livro organizado por
Nelson Mandela, em www.folha.com.br/091751
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