São Paulo, domingo, 28 de junho de 1998

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O mercador da cultura


Editor e dono de gráfica, Lobato foi pioneiro no país ao tratar o livro como produto


VLADIMIR SACCHETTA
especial para a Folha

Dentre os muitos Lobatos, aquele que revolucionaria o setor editorial no país surgiu quase por acaso, graças ao sucesso inesperado da sua primeira experiência no ramo -o lançamento em livro dos resultados de seu inquérito sobre o saci, em 1917, acompanhado da publicação de "Urupês", best seller com 30 mil exemplares vendidos entre 1918 e 1925. O passo seguinte consistiria na compra da prestigiosa, mas deficitária, "Revista do Brasil". Recuperando financeiramente o periódico por meio de habilidosas jogadas de marketing, Lobato desenvolveu, paralelamente à sua redação, uma modesta seção editorial. Ali encarnou o editor em tempo integral.
"Editar é o que existe de mais sério para um país. Editar significa multiplicar as idéias ao infinito, e transformá-las em sementes soltas ao vento, para que germinem onde quer que caiam", diria. Atento ao filão de leitores em potencial, que em 1918 dispunham de apenas 50 livrarias em todo o Brasil, investiu num sistema agressivo e inédito de mala direta e venda por consignação, utilizando-se de um exército de agentes autônomos e de pequenas empresas do interior.
"Faço livros e vendo-os porque há mercado para a mercadoria; exatamente o negócio do que faz vassouras e vende-as, do que faz chouriços e vende-os", diria a Godofredo Rangel em 1920. A estratégia funciona e as tiragens aumentam, trazendo, em contrapartida e a custos reduzidos, considerável incremento nas vendas. Ao mesmo tempo, Lobato se preocupa com os pesados impostos sobre sua matéria-prima: "A cultura se faz por meio do livro. O livro se faz com papel. Carregar de taxas o papel é asfixiar o livro. Asfixiar o livro é matar a cultura".
Como considerava o livro nacional, além de caro, malfeito, produz edições bem cuidadas e graficamente atraentes. Para tanto, monta oficinas próprias, contrata artistas para criar suas capas e envereda pelo gênero didático, de consumo obrigatório. Passando por sucessivas ampliações, em abril de 1924 instala, em 5.000 m2 no Brás, um complexo industrial que chegou a empregar 200 operários. Quando faliu, em 1925, colhido por uma série de fatores adversos desencadeados pela revolução de 1924, sua editora contava com o maior e mais moderno parque gráfico da época, e um estoque beirando 400 mil volumes.
O fim da Cia. Gráfico-Editora Monteiro Lobato coincidiu com o nascimento da Companhia Editora Nacional. Bem ao seu estilo ousado, Lobato liquidava uma empresa e já criava outra, que deixaria com o sócio Octalles Marcondes Ferreira, em 1927, para ocupar o cargo de adido comercial em Nova York. Impressionado com o progresso da América, concluirá, após visita à Biblioteca do Congresso em Washington, que um país se faz com homens e livros. "Nos livros está fixada toda a experiência humana. É por meio deles que os avanços do espírito se perpetuam", diz, enquanto tenta retomar os projetos. E se, em 1919, numa visão precoce do Mercosul, planejava coligar-se à "Cooperativa Editorial Argentina" para de atingir o mercado de língua espanhola, agora sonha mais alto:
"Verei se lanço lá a edição inglesa de "Choque das Raças' e estudarei a hipótese do transplante da nossa segunda empresa editorial", relata a Rangel. "Se for possível, chamar-se-á "Tupy Publishing Co.' e há de crescer mais que a Ford, fazendo-nos a todos milionários -editores e editados". Destituído pela Revolução de 30, e sem as ações da Nacional, perdidas no "crash" da Bolsa de Nova York, Lobato volta ao Brasil e retoma a carreira literária. Seis anos depois, seria o primeiro autor brasileiro a alcançar a cifra de 1 milhão de exemplares vendidos, nela incluídas a obra adulta, infantil, traduções e adaptações.


Vladimir Sacchetta é jornalista e produtor cultural, autor, com Carmen Lucia de Azevedo e Marcia Camargos, de "Monteiro Lobato - Furacão na Botocúndia" (Ed. do Senac).



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