|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Truffaut zero de conduta
Leia em primeira mão um trecho da biografia do
cineasta, a sair em abril pela
Record, que narra como ele
foi denunciado à polícia por
seu pai, aos 16 anos, após ter
acumulado dívidas e furtos
para manter um cineclube;
para o lançamento do livro,
virá ao Brasil um dos
autores, Serge Toubiana,
diretor da "Cahiers du
Cinéma", revista lendária
na qual escreveram
Truffaut e Godard
|
SERGE TOUBIANA
ANTOINE DE BAECQUE
Como primeira manifestação pública de sua cinefilia, François Truffaut
decide em outubro de 1948 fundar um cineclube, o Círculo Cinêmano.
Robert Lachenay é catapultado a secretário geral e gerente: aos 18 anos, já
é capaz de cuidar das finanças. Truffaut reserva-se o título de diretor
artístico. Em primeiro lugar, é necessário encontrar uma sala. Ele consegue convencer o sr. Marcellin, proprietário do Cluny-Palace, no bulevar
Saint-Germain. Contra 4.000 francos por sessão, as instalações são alugadas nas manhãs de domingo. Para
conseguir cópias, Truffaut recorre
à Cinemateca Francesa.
Para a primeira sessão, marcada
para domingo, 31 de outubro, às
10h15, Henri Langlois (diretor da
Cinemateca Francesa) empresta-lhe dois filmes curtos,
"Entr'Acte", de René Clair, e "Um
Cão Andaluz", de Luis Buñuel. O
rapaz tenta conseguir também um
longa-metragem, "O Sangue de
um Poeta", de Jean Cocteau, mas
se depara com um não da Federação Francesa dos Cineclubes, à
qual não quisera aderir nem pagar
pela locação dos filmes. Langlois,
por sua vez, bem que gostaria de
ajudá-lo, assim como a outros jovens cinéfilos, a livrar-se desta tutela, emprestando-lhe gratuitamente suas cópias e promovendo
uma espécie de curto-circuito na
rede oficial de cineclubes. Incapaz
entretanto de fazer frente à poderosa federação sob influência comunista, ele é forçado a recuar, recusando-se a emprestar "Le Sang
d'un Poète" a Truffaut.
A sessão inaugural do Círculo
Cinêmano anuncia-se problemática. No último momento, Truffaut
a adia para o domingo, 14 de novembro, na esperança de acabar
convencendo Langlois. Este vem
adverti-lo numa carta de 4 de novembro: "Considerando seu amor
pelo cinema, permita-me dizer-lhe que não deveria lançar-se
numa empreitada como a que me
expõe sem alguma ajuda. Pois a divergência entre a Cinemateca
Francesa e a Federação Francesa
de Cineclubes a propósito da cessão de filmes não é uma questão de
pessoas ou de política, mas simplesmente uma impossibilidade
jurídica que obriga a Cinemateca,
não obstante todo o seu desejo de
manter-se como um organismo
vivo, a assistir como espectadora
ao movimento dos cineclubes".
Truffaut obstina-se e escreve a
Jean Cocteau em pessoa, convidando-o a apresentar seu filme levando uma cópia. Cartazes são colados nas imediações do
Cluny-Palace e distribuídos nos
cineclubes da região de Saint-Michel, anunciando para essa primeira sessão uma projeção de "Le
Sang d'un Poète" "na presença do
realizador". Desnecessário dizer
que o anúncio causou sensação:
ouvir Cocteau era um grande privilégio. Depois da exibição dos
dois curtas-metragens de René
Clair e Buñuel, cerca de cem espectadores aguardam com impaciência a chegada de Cocteau. Mas
não demoram a se aperceber do
logro e por pouco a sessão não degenera em pancadaria. Truffaut e
Lachenay dão um jeito de não
reembolsar integralmente os espectadores, mas o Círculo Cinêmano já perdeu boa parte de sua
credibilidade. Porém, a receita é
suficiente para pagar o aluguel da
sala. E até sobram cerca de 1.000
francos de lucro, o que leva o sr.
Marcellin a concordar com o prosseguimento da experiência, apesar
das queixas dos espectadores.
continua
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|