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A pesquisadora Maria Odila Leite da Silva Dias fala da reedição de "A Interiorização da Metrópole"
e afirma que a historiografia brasileira está hoje mais sofisticada e mais comercializada
O mito da Independência
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
O termo "interiorização da
metrópole" é hoje um velho conhecido dos que se
dedicam a estudar o processo de independência e de formação do Estado brasileiro.
Quando cunhou o conceito, em
1972, num ensaio hoje clássico na
historiografia recente, a pesquisadora paulista Maria Odila da Silva Dias
chamava a atenção dos historiadores para a necessidade de promover
pesquisas sobre a Independência
não só a partir do quadro das pressões externas pela substituição da
política mercantilista mas também a
partir da dinâmica econômica e das
tensões sociais internas do Brasil.
Para ela, a presença da corte no Rio
de Janeiro teria transferido de Lisboa para um ponto específico do
país o papel de colonizar o resto do
território. Assim, estudar a continuidade era tão importante quanto falar
de ruptura. E a idéia de um embate
ferrenho entre colônia e metrópole
seria um mito a ser confrontado.
A idéia gerou polêmica e até hoje é
vista com desconfiança por alguns
setores acadêmicos. Por outro lado,
frutificou em trabalhos que ajudaram a montar um cenário mais rico
das transformações sociais e políticas que tiveram lugar naquela época.
Trinta e três anos depois, "A Interiorização da Metrópole e Outros
Estudos" ganha nova edição. Em entrevista à Folha, a pesquisadora criticou o fato de a história ter se comercializado. "Hoje vemos muito
trabalho água-com-açúcar, onde
não há crítica", diz.
Dias é também autora de "Cotidiano e Poder em São Paulo no século
19" (1984), professora aposentada da
USP e leciona atualmente na Pontifícia Universidade Católica de SP.
Folha - Em "A Interiorização da Metrópole", a sra. falava da necessidade
de a historiografia se debruçar sobre
as transformações na elite durante o
processo de independência. Isso
aconteceu?
Maria Odila Leite da Silva Dias -
Creio que o trabalho do historiador
é sempre o de fazer um apanhado da
historiografia, mostrar os caminhos
que foram tomados e os que, por algum motivo, não foram explorados.
Foi por isso que escrevi aquilo. Depois do artigo, muitos trabalhos apareceram e muitas lacunas foram
preenchidas, mas não acredito que o
conjunto tenha mudado muito.
Folha - Que exemplos destacaria?
Dias - O tema do comércio de abastecimento, que era o pano de fundo
para explicar as relações entre São
Paulo e o sul de Minas na época, é
um deles, que foi muito estudado no
Rio de Janeiro por João Fragoso.
Aqui em São Paulo, vários orientandos meus trabalharam aspectos importantes do processo de independência, como os motins e a importância dos comerciantes portugueses. Outros estudos importantes foram feitos, principalmente no Rio.
Passamos a ser metrópole de nós mesmos. A construção do Estado foi uma recolonização a partir do Rio
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Folha - E o que mostraram esses trabalhos?
Dias - Foram importantes para documentar o ódio latente entre ex-escravos, forros, mestiços, mulatos e o
comércio português. Havia um verdadeiro apartheid na sociedade. A
partir de "Interiorização da Metrópole", esse clima de tensão social
passou a ser mais bem documentado. Também essa foi a grande contribuição do livro de Caio Prado Júnior ("Formação do Brasil Contemporâneo", 1942), que mostrava quão
violenta era a sociedade de então.
Folha - Acredita que esses trabalhos
tenham ajudado a desconstruir a
idéia de que a Independência resultou de uma simples luta da colônia
contra a metrópole?
Dias - Bom, isso é um mito.
Folha - Mas é um mito que persiste
entre o público comum, fora das universidades.
Dias - Sim, nos livros de ensino. O
conceito de "metrópole interiorizada" refere-se ao fato de que, a partir
da independência, nós passamos a
ser a metrópole de nós mesmos. A
construção do Estado foi uma recolonização a partir do Rio. Mas essa
idéia, por mais que esteja presente
nos trabalhos acadêmicos, ainda
não chegou, e talvez nunca chegue,
aos livros de ensino. Vamos ter sempre as imagens de Tiradentes, da colônia quebrando os grilhões...
Folha - O conceito de "metrópole interiorizada" pode ser comparado com
outras realidades da América Latina?
Afinal, havia elite nos outros países.
Dias - É importante levar em conta
que esses outros países tinham um
outro tipo de escravidão, a da população indígena. Enquanto aqui, nas
áreas de café, havia muitos escravos
e, por isso, a necessidade de controle, de poder autoritário. Além disso,
as elites daqui, por estarem mais dispersas, precisavam de um pólo forte,
ou em Lisboa ou no Rio.
Folha - Há hoje uma "desideologização" do ensino e da pesquisa, não é?
Dias - Sim, às vezes no mau sentido, noutras no bom. No mau, porque vemos muito trabalho água-com-açúcar, onde não há crítica. E
também se fazem mais coisas para
vender. A história, de certa forma, se
comercializou.
Folha - Como vê o futuro da pesquisa histórica no Brasil?
Dias - Acho que o caminho do historiador é cada vez mais interdisciplinar, mais sofisticado. É preciso
hoje um arsenal teórico muito forte
para tornar significativos e críticos
temas pequenos da vida cotidiana.
Há uma aproximação maior com a
antropologia, a sociologia e deve
continuar por mais tempo esse desapego aos grandes conceitos de explicação histórica. Existe um diálogo
das necessidades sociais. Isso não
quer dizer que essa história não seja
igualmente militante, pois esse processo faz parte das tensões do mundo contemporâneo, de crise do Estado, dos partidos. A perspectiva de
um novo modo de fazer política, totalmente descentralizado.
Folha - O que a multiplicidade de temas pode trazer?
Dias - Esse pandemônio, ao mesmo
tempo em que favorece um tipo de
história amena que vende bem, facilita documentar sujeitos históricos
que nunca apareceram. Isso só começou a aparecer depois que surgiu
um modo de olhar não apenas as
instituições, mas as relações sociais.
Folha - No que a sra. está trabalhando agora?
Dias - Num estudo sobre as mulheres na República. Sempre temos a
idéia de que, com a República e o fim
do Império, as mulheres passaram a
aparecer mais. Mas, na verdade, elas
estavam massacradas entre as famílias e os negócios e tinham de improvisar papéis sociais.
Também há a questão do casamento. Não se casavam, por exemplo. Nessa época da República havia
não só a obsessão de fazer com que
as pessoas se mostrassem européias
nas roupas e de fazer higienização
mas também de forçar casamentos.
Porque as pessoas viviam muito em
concubinatos.
A Interiorização da Metrópole e Outros Estudos
168 págs., R$ 32
de Maria Odila Leite da Silva Dias. Ed. Alameda (r. Tucuna, 194, conjunto 31, CEP
05021-010, SP, tel. 0/xx/ 11/3862-0850).
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