São Paulo, Domingo, 29 de Agosto de 1999
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PONTO DE FUGA

Museu

JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York

Os objetos de Gio Ponti como que flutuam sem gravidade, e sua arquitetura também. O arranha-céu da Pirelli, em Milão, lâmina aérea que ele inventou com Nervi, é uma resposta inefável à violência autoritária e pesadona do prédio da PanAm, em NY, obra triste da velhice de Gropius. Em 1970, Gio Ponti projetava a Catedral de Taranto, derivada, sem citar, de transparentes estruturas góticas, e o Museu de Arte de Denver, no Colorado, torre que acena tanto para as construções pré-colombianas da Mesa Verde, quanto para uma imaginária fortaleza medieval. São dois edifícios que precedem a sensibilidade pós-moderna, mas que dão um baile em muita arquitetura superficial de hoje. Dentro do museu, os espaços abrem-se nos recortes estratégicos das janelas.
Os curadores respondem às nuanças do arquiteto e inovam. Como numa casa confortável, cada sala traz poltronas, sofás, mesinhas. Em vez de dispor as coleções de modo comportado e enfadonho, por país e por época, como se faz desde o século 19 numa tradição que nem o "novo" Louvre ousou interromper, as obras vêm por afinidades indizíveis, desrespeitando a cronologia. Numa parede, ao lado da pompa barroca de Largillière, a Elizabeth Taylor de Warhol. Numa outra, Bouguereau dialoga com Matisse.
Entre si, as obras fazem emergir compreensões silenciosas, desdenhando os habituais textos nas paredes, didáticos e patéticos. A museologia, essa falsa ciência, é como o samba de Noel: não se aprende no colégio.

Museu 2 - O J.P. Getty Center, em Los Angeles, é um dos núcleos de pesquisa essenciais em história da arte, com imensos recursos financeiros. Suas novas instalações, no cimo de uma colina, foram chamadas de "o projeto do século". É o único museu no mundo com um trenzinho dentro, que leva as pessoas até o alto. Richard Meier é o arquiteto. Desde pelo menos Barcelona, Atlanta e Frankfurt, que reincide em museus. Mas sua arquitetura, celebrada e premiada, é, em verdade, indiferente às coleções, aos ambientes, às proporções. O branco virou sua marca registrada, e o aspecto exterior do conjunto situa-se entre a clínica de luxo e o shopping center. Quadros e esculturas, antes, inseriam-se alegremente na absurda e ostentatória "villa" do milionário Getty, pertinho de Malibu. Hoje, as enormes salas no alto da colina, com iluminação zenital e cores que parecem escolhidas de propósito para assassinar as obras, não possuem sequer a respiração ampla dos museus de outrora. Tudo se passa numa frieza indiferente, numa falsa modernidade, acadêmica e sem inspiração.

Museu 3 - San Francisco possui um novo museu de arte contemporânea, concebido pelo arquiteto ítalo-helvético Mario Botta. É um sinal definitivo na cidade, edifício horizontal dividido por um cilindro chanfrado. Dentro, no alto do grande tubo oco, uma frágil passarela pode provocar vertigens. Botta emprega suas conhecidas faixas horizontais, aqui em luxuoso mármore negro. Tudo isso forma um prelúdio grandiloquente para as salas muito banais, que ficam nos fundos, abrigando as obras.

Museu 4 - Os inúmeros museus americanos de várias cidades, construídos antes da Segunda Guerra Mundial, falam todos uma linguagem clássica muito nobre, às vezes um pouco dura, mas sempre grandiosa. São coleções antológicas, inspiradas no "Met", de NY, onde haverá, sem falta, uma bela seleção asiática, africana, medieval e do Renascimento, além do Monet, do Cézanne, do Rothko e do Pollock de plantão. Muitos incorporam claustros medievais ou salões barrocos inteiramente transplantados de mosteiros e palácios europeus.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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