São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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A igreja incorpora sobrenatural materialidade, que se manifesta na água benta, na hóstia, nos incensos -um mundo de conventos obscuros, onde coisas terríveis podem ocorrer
Corpo e espírito no cinema de terror

Divulgação
A atriz Linda Blair em cena de "O Exorcista" (1973), de William Friedkin


por Jorge Coli

Mary Shelley (1797-1851) teve uma centelha de gênio ao inventar, em 1818, com apenas 20 anos, uma criatura feita de pedaços de cadáveres. Não era reviver um morto: era criar, por meio da ciência, um homem novo e superior àqueles produzidos pela natureza. Há um paralelo possível com o campo das artes plásticas. Uma questão fundamental, reativada pelas correntes neoclássicas, era a da forma ideal. Ela devia resultar de uma combinatória que junta elementos extraídos de seres diferentes. O exemplo era grego: o pintor Zeuxis, no século 5º a.C., para figurar a imagem da mais deslumbrante das mortais -Helena, semelhante às deusas-, faz vir ao seu estúdio belas moças de Crotona. Selecionando então aquilo que cada uma possuía de admirável -cabelos desta, nariz daquela, seios de outra-, Zeuxis produziu uma efígie que não existia antes e superior à natureza. Esse modo artístico era prevalente quando Mary Shelley escreveu o seu romance. Os pintores, então, decompunham seus modelos, aperfeiçoando, de modo obsessivo, cada parte do corpo, antes de uni-las nos quadros definitivos: as pranchas de estudos, com pés, bocas, torsos, mãos, muito precisos, limpos, nítidos, mas dispostos sem ordem, que causam uma evidente estranheza. Frankenstein liga arte e ciência, a imagem cristalina e o cadáver repugnante, o super-homem e o monstro. O projeto era luminoso como uma obra de arte: "Seus membros eram proporcionados, e eu havia escolhido seus traços como um belo -Belo!- Deus", escreveu Mary Shelley. A prática, no entanto, trazia a mácula e o fascínio imundo do cadáver: "Eu recolhi ossos em necrotérios e perturbei, com dedos profanos, os segredos tremendos na estrutura humana". Neoclassicismo é, por excelência, arte da Revolução Francesa, da mesma maneira que a Revolução Francesa teve na guilhotina seu instrumento mais simbólico. Máquina "científica", ela decepava, com eficácia e rapidez, sua vítima, desfazendo-lhe a unidade física. Eram cabeças cortadas, cadáveres mutilados, que evoluíam no imaginário da época. Há mais: no século 18, a cirurgia militar, que amputa, costura, remenda, fizera grandes progressos. Instrumentos muito hábeis foram inventados ou aperfeiçoados, próprios para afastar as carnes, expor os ossos, para talhar ou serrar. Tais progressos acentuam-se durante as guerras napoleônicas, pesadelo atroz, coletivo, verdadeiro que varreu a Europa e que mal terminara quando Mary Shelley inventou seu monstro. São os mesmos anos, por sinal, em que Géricault pintava seus quadros, mostrando cabeças e membros humanos amputados que buscava nas salas de dissecção. A postura do monstro, seu andar pesado fazem dele também o sucessor de um personagem nascido no século 17. Era o Convidado de Pedra, a estátua vingadora do comendador, que vem à festa de dom Juan para arrastá-lo ao inferno. Passou, durante 200 anos, de adaptação em adaptação teatral. Tirso de Molina, Molière, Mozart o retomaram, e ele reviveu em numerosas peças e óperas, como, mais tarde, a criatura de Frankenstein reapareceria em filme após filme. O Convidado de Pedra punia o pecador. Mas o caráter de moralidade religiosa, com o tempo, deixou de interessar. O espírito romântico inquietava-se pela desmedida do racionalismo científico. Frankenstein vem punir, com seus passos custosos, uma ciência que não presta conta, senão a seus próprios objetivos. Frankenstein manifesta-se no cinema muito cedo, desde 1910. Mas é o diretor James Whale (1896-1957) e o ator Boris Karloff (1887-1969) que lhe desenham, em 1931, a fisionomia definitiva.

Os caninos sedentos
Mary Shelley não conseguiu um novo achado depois de "Frankenstein", que a imortalizou. O mesmo ocorre com Bram Stoker (1847-1912), modesto escritor irlandês. Ele também teve um traço de gênio ao criar, partindo de contos folclóricos da Transilvânia, seu vampiro. "Drácula" foi publicado em 1897. Durante o século 19, o espírito romântico vagou num mundo sobrenatural, de tentações e vertigens, em que personagens maléficos sugavam a vida e a energia de seres humanos, por vezes graças ao sangue ingerido. Hoffmann, que teria um de seus contos "vampíricos" posto em música por Offenbach, no ato de Antonia, em "Os Contos de Hoffmann"; Dumas; Gogol; Marchner e sua ópera "Der Vampyr"; Guy de Maupassant e seu "Le Horla" fazem parte de uma lista muito longa. São modos que não cristalizaram um personagem específico, e é possível mesmo, alargando as fronteiras, descobrir casos sociais e sexuais de vampirização no tema baudelairiano da beleza medúsica, na "Dama das Camélias", de Dumas Filho, ou na "Nana", de Émile Zola. O dentuço notívago, porém, surge de modo preciso. Foi um monge beneditino, teólogo, chamado dom Augustin Calmet que publicou, em 1751, um "Traité sur les Apparitions des Esprits et sur les Vampires ou les Revenants de Hongrie, de Moravie etc..." (Tratado sobre as Aparições de Espíritos e sobre os Vampiros ou Fantasmas da Hungria, da Morávia etc.), cujo segundo volume, a "Dissertation sur les Revenants en Corps, les Excommuniés, les Oupires ou Vampires, Broucolaques etc..." foi reeditado por Jérôme Millon, em 1986, na coleção "Atopia". Vários sintomas e atributos dos vampiros já estavam ali configurados: a região geográfica de origem, o caráter noturno, o princípio epidêmico ("aqueles que foram vampiros passivos durante suas vidas se tornam ativos depois de suas mortes, quer dizer, aqueles que foram chupados, chupam também, por sua vez", diz o beneditino), a estaca fincada no coração (eis um episódio, por Calmet: "O hadnagi [prefeito do lugar", em presença de quem fez a exumação e que era um perito em vampirismo, mandou enterrar, segundo o costume, no coração do defunto Arnold Paul, uma estaca pontuda, com a qual lhe atravessaram o corpo de lado a lado, o que o fez, dizem, lançar um grito aterrorizador, como se estivesse em vida"). O romantismo tendeu a dissolver essas características precisas; Bram Stoker, ao contrário, as assentou, dando-lhes coerência e firmeza. O mito do vampiro é rapidamente recuperado pelo cinema, no caráter difuso da tradição romântica, do "Vampyr", de Dreyer, à "Máscara do Demônio", de Mário Bava, chegando às últimas metamorfoses inspiradas em Anne Rice. Mas o conde Drácula impõe-se. Depois de sua transformação no "Nosferatu", de Murnau, nos tempos do cinema mudo, adquire o aspecto que o marcou, em 1931, com o "Drácula", de Tod Browning. Bela Lugosi (1882-1956) conferia ao vampiro elegância aristocrática, superioridade em suas atitudes, consciência controlada da sua natureza ou do que poderia se chamar o seu vício. Lugosi possuía uma sedução "old fashioned", mesmo para 1931, se contrapondo ao charme moderno de David Manners, o jovem herói. A imagem de Lugosi iria envelhecer no pós-guerra: não é à toa que, nos "Munsters", o vovô é calcado sobre ela. Christopher Lee, graças à sequência de filmes da companhia inglesa Hammer, graças à admirável direção de Terence Fisher em "Horror of Dracula" (1958), torna atual e erótico o personagem. Desenha-se, de modo transparente, o vampiro concebido como o avesso do Cristo. No último da série, injustamente desconsiderado pela crítica, "Count Dracula and His Vampire Bride" (Conde Drácula e sua Noiva Vampira, 1973), dirigido por Alan Gibson, o conde é apanhado por um espinheiro, metáfora imensa da coroa de Cristo, e suas palmas são atravessadas por pontas, como na crucifixão.

Chifres e vômitos
Frankenstein e Drácula desenvolveram-se dentro de uma tradição anglo-saxônica de imaginário sobrenatural e fantástico chamada, desde o século 18, de "gótica". Mas existe nela uma corrente que não se concentra num personagem apenas. Talvez fosse melhor chamá-la de uma "atitude" ou de uma "percepção embaçada, fascinada e temerosa", presente na literatura anglo-americana. É fácil de ser detectada: encontra-se na visão que esse meio protestante possui da Igreja Católica.
A igreja estaria situada nos confins da feitiçaria, dos rituais mágicos. Incorpora sobrenatural materialidade, que se manifesta, de modo muito concreto: na água benta, na hóstia, nos incensos, no comércio das indulgências. Um mundo de conventos obscuros, onde coisas terríveis podem ocorrer. O exemplo mais conhecido dessa literatura é "The Monk" (O Monge), escrito por Lewis em 1796, romance venerado pelos surrealistas e traduzido para o francês por Artaud.


O fenômeno mais vivo das duas últimas décadas habita filmes baratos, destinados a adolescentes; cria-se o pavor do assassino persistente, de rosto oculto


No catolicismo visto pelo imaginário protestante a possessão pelo diabo, liberada por impenetráveis palavras em latim, é um dos pontos mais aterradores. Ele desponta no cinema -mesmo que existam precursores- quando Frankenstein e Drácula perdem o fôlego. Polanski, com a comédia "A Dança dos Vampiros" (1967), parodiava todos os cacoetes do gênero e, com "O Bebê de Rosemary" (1968), abria-se para o tema do anticristo. Mas "O Exorcista" (1973), de William Friedkin, com Linda Blair vomitando gosma verde, tornou-se emblema da possessão demoníaca. Nos anos 70 e 80, houve uma enfiada de filmes nesse clima. Na última década, elevou-se o extraordinário "Cabo do Medo" (1991), onde Max Cady, representado por Robert De Niro, é a encarnação do demônio. Scorsese, com seu catolicismo jansenista, à la Bresson, inquietou-se sempre com a natureza do mal dentro da humanidade, e "Cabo do Medo" ultrapassa o gênero por suas preocupações metafísicas. Aqui, nenhum dos vezos "católicos" (padres de batina, freiras de hábito, rituais cabalísticos). Esses traços caricaturais permanecem no último Schwarzennegger, "Fim dos Dias", de Peter Hyams; em "Stigmata", de Rupert Wainwright; em "Dogma", de Kevin Smith. Frequência não significa renovação. São filmes sem verdadeira energia, mostrando-se, antes, como uma persistência residual.

Os jovens e as facas
Os traços muito definidos de Drácula e de Frankenstein, via Lugosi, Lee e Karloff, descendentes de estirpe romântica e gótica, perderam sua eficácia como um gênero de grande público desde os anos 70. É mau sinal quando, em 1992, Coppola dirige seu "Drácula de Bram Stoker" e, em 1994, Kenneth Branagh o seu "Frankenstein de Mary Shelley". A incorporação do nome dos escritores no próprio título demonstra um desejo filológico de fidelidade ao texto de origem. O recado é este: vamos apagar toda a tradição sem rigor e cheia de variantes dos antigos Dráculas e Frankensteins para obter uma versão fidedigna. Há, pressuposta, uma postura superior diante dos filmes precedentes, meros "divertimentos" populares. O endereço anterior, para um público não sofisticado, era, no entanto, sintoma da vitalidade. A postura filológica significou um ponto final do gênero. Está claro que foram realizados outros filmes, mesmo numerosos, com o tema dos vampiros e de Frankenstein. Mas eles possuem uma visada mais intelectual; mesmo o "Frankenstein Unbound" (Frankenstein Livre, 1990), de Roger Corman, o grande gênio do filme B, foi concebido com ambições complexas e não é, de modo algum, destinado a um público desprevenido. "Entrevista com o Vampiro", de Neil Jordan (1994), abandona Bram Stoker por Anne Rice. "Vampiros", de John Carpenter, é um avatar, singular e enérgico. Quais as fontes novas para os filmes de terror? É preciso tirar fora o caso muito particular da obra de David Cronenberg, original e poderosa, com sua mistura de sexualidade visceral e de desventramentos abomináveis. Existem ainda grandes casos de horror canibal destes últimos 50 anos, mas eles são apenas dois, episódicos, "A Noite dos Mortos-Vivos", de George Romero (1968), e "O Silêncio dos Inocentes", de Jonathan Demme (1991).

Medo esvaziado
A aceleração na facilidade dos efeitos especiais, que contribuíram de maneira decisiva para o reerguimento da frequentação nas salas nos anos 90 -basta pensar em "Titanic"- é, o mais das vezes, desastrosa para filmes de terror. Está claro, a saga dos "Alien", iniciada em 1979, que empregou efeitos especiais, está entre os momentos mais altos de toda a história do cinema e foi também um grande sucesso de público. Porém, fora exceções, o medo é esvaziado pelos truques fabulosos. Para assustar, o segredo estaria mais no modo de narrar e de intervir no imaginário, e não na proeza técnica. "O Homem sem Sombra", de Paul Verhoeven, "A Casa Amaldiçoada", de Jan de Bont, "Prova Final", de Robert Rodriguez, são exemplos de filmes desequilibrados pela invasão de truques, convincentes e espantosos, sem dúvida, mas insuficientes para sustentar plenamente o interesse. O fenômeno mais vivo das duas últimas décadas habita, na verdade, filmes baratos, destinados a adolescentes. O velho arsenal gótico é abandonado, e ninguém se preocupa com efeitos especiais. Cria-se o pavor do assassino persistente, de rosto oculto. Criam-se sagas: "Sexta-Feira 13", "A Hora do Pesadelo". Cria-se uma cultura à volta das situações que se repetem, como antes em relação aos vampiros: Crystal Lake será sempre assombrado, Freddy Krueger estará sempre lá, para apanhar alguém no sono. Haverá sempre, depois dos desbastes sucessivos, uma "final girl". Essas séries tiveram grandes antecessores e grandes exemplos: "Bay of Blood" (Baía de Sangue, 1971), de Mario Bava; "O Massacre da Serra Elétrica" (1974) e "Pague para Entrar, Reze para Sair" ("The Funhouse", 1981) -um dos filmes mais aterradores de todos os tempos-, de Tobe Hooper; a poesia alucinada de Dario Argento; o rigor implacável do "Halloween" (1978), de John Carpenter. O cinema de horror destinado a adolescentes sedimentou cumplicidade e pacto, solidarizando-se com seu público. Nos filmes, os jovens encontram-se isolados do mundo adulto, que lhes é exterior, indiferente e, muitas vezes, hostil: com frequência os assassinos são mais velhos. Filmes e público irmanam-se numa simulação e numa verdade de comportamentos. Diante dos adultos, os adolescentes sabem estar sempre representando, escondendo a sexualidade ou o uso das drogas, por exemplo, que são, porém, revelados aos colegas. Em "Halloween" é expressiva a cena na qual duas garotas devem disfarçar o cheiro da maconha dentro do carro, ao serem abordadas pelo policial, o pai de uma delas. Nos filmes, os adolescentes, isolados dos adultos, tornam-se vulneráveis a assassinos. Estes se situam numa gama que vai da verossimilhança realista ao sobrenatural. O "serial killer" é possuído, com maior ou menor intensidade, de energias sobre-humanas. Diante dele, os adolescentes -que não atingiram ainda a idade da autonomia e do poder- revelam-se desarmados e, por isso mesmo, vítimas por excelência. Existe o isolamento de jovens, unidos pela cumplicidade; existe a cultura já estabelecida pelos filmes, que espelha esse grupo levando-o a situações de terror. Pacto e cultura: com isto, um diretor de primeira viagem, Jim Gillespie, fez o que se pode chamar, exatamente, de um "clássico", intitulado "Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado". É clássico, em primeiro lugar, porque parte de uma história conhecida coletivamente que o precede. Stephen King, bem antes que o filme fosse realizado, lembra o seu caráter de "urban legend". Nela, o assassino, com um gancho na mão, não deixa ver seu rosto e ataca namorados isolados. O filme de Gillespie retoma também o pacto de silêncio. O diretor prova sua força estilística, revigorando as situações conhecidas, impedindo a ironia ou o humor involuntário. Atinge-se aqui um momento de equilíbrio interno, mas também na relação entre obra e público: um pouco como o grego da Antiguidade ia ver de que maneira Sófocles ou Eurípedes contavam uma história que ele já conhecia ou o espectador de óperas do século 18 ouvia, pela décima vez, a nova maneira pela qual um compositor pôs em música a morte de Dido ou o abandono de Ariadne.

O farfalhar dos ecos
O "slasher movie", nos anos 80, esgotava-se. Wes Craven, ao realizar o primeiro "Pânico", colocou em cena a própria cultura cinematográfica dos adolescentes. Filme dentro do filme, foi concebido como um fecho. Porém seu extraordinário sucesso engendrou duas sequências: um excelente número dois, um detestável número três. Foi um prolongamento do canto do cisne, que parece estar terminando por uma gargalhada grossa: "Todo Mundo em Pânico" ("Scary Movie", de Keenen Wayans) é uma palhaçada irresistível que mistura "Pânico" e "Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado", no qual o assassino tem a máscara do primeiro e o gancho do segundo...
Depois que Drácula, Frankenstein e os exorcistas recuaram, agora que os "slasher movies" parecem não mais assustar, diante do fracasso dos efeitos especiais mirabolantes, os filmes de medo parecem seguir um caminho mais adulto, mais rarefeito, no qual um indefinível mal-estar pode ser mais presente do que o terror.
Os filmes ligam-se ao misticismo new age e a uma angústia "espiritual" ou "espírita". Às vezes atingem uma grande qualidade cinematográfica, como é o caso de "Ecos do Além", de David Koepp; às vezes obtêm grande sucesso, como "O Sexto Sentido", de M. Night Shyamalan; às vezes fracassam em tudo, como a "Revelação", de Robert Zemeckis. "Vivendo no Limite", de Scorsese, é, nesse campo, uma obra-prima, assim como "A Premonição", de Neil Jordan. Aqui, porém, estamos numa zona de fronteiras, pois a moda atual do "espiritualismo" extra-sensório não é própria apenas do cinema de terror: filmes tão diversos como "Ghost", de Jerry Zucker (1990), ou "Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal", de Clint Eastwood, mostram que ela invade outros territórios. Em realizações mais recentes, a imaterialidade paranormal pôde se radicalizar, não possuindo causa explícita, dependendo de estranhas forças desconhecidas. No bizarro "A Mão Assassina", de Rodman Flender (1999), a mão de um garoto age de modo autônomo. Os crimes são cometidos sem a consciência, levando ao extremo, por sinal, a separação entre mundo adulto e mundo adolescente -sua mão trucida seus próprios pais. Em "Premonição" ("Final Destination", de James Wong -o título brasileiro permite confusão com o filme de Neil Jordan), os objetos, sem nenhum motivo, tornam-se malévolos.

Terror frio
Tais filmes possuem grandes antepassados: além de "Amityville" e "Poltergeist", de "Os Inocentes", de Jack Clayton (1961); da "Casa Assombrada", de Robert Wise (1963); "O Iluminado", de Stanley Kubrick (1980) e "Carrie, a Estranha", de Brian de Palma (1976), faziam vibrar a ameaça dos lugares e dos objetos. Por trás pairam as sombras imensas de Lang e, sobretudo, de Hitchcock: sem assumirem o sobrenatural, eles criaram um terror frio, que transpira nos interstícios das relações humanas e que impregna, silenciosamente, as coisas.
O diálogo com forças espirituais, mais difuso no passado, reitera-se agora, com características constantes e explícitas. São caminhos sutis, inefáveis, invisíveis e baratos. Nesse sentido, o sucesso mais emblemático e, sem dúvida, arrepiante é o fenômeno "A Bruxa de Blair".


Jorge Coli é professor de história da arte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de, entre outros, "Música Final" (Ed. da Unicamp).

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