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Ponto de fuga
A banana entalada
Jorge Coli
especial para a Folha
Ela se chama Robin e talvez não esteja
conseguindo satisfazer seu marido na
cama. Preocupada, pede lições a uma
prostituta. Segue atentamente os gestos
da profissional, que toma uma banana
para fazer demonstração de sexo oral.
A professora engasga, e tudo termina
em anticlímax, desopilante e irônico.
Robin ensinava inglês, era especialista em Chaucer (1343-1400). Graças a
um providencial segundo casamento,
torna-se entrevistadora de televisão.
Faz perguntas sem interesse a quem
não tem nada a dizer. Fica famosa.
"Tornei-me o tipo de pessoa que sempre detestei e estou gostando disso!"
Perplexidade sempre foi um instrumento da crítica desarmada, própria a
Woody Allen. Como antes em "Manhattan", ela se encontra de novo em
"Celebridades". Mais negra, mais cínica, mais amarga, atinge um patético desespero no pedido de socorro escrito
com fumaça no céu. Lee, o protagonista, é mais uma vez alguém que não consegue centrar seus sentimentos, hesitando entre várias mulheres, terminando como vítima de todas elas.
Há muito do Fellini de "La Dolce Vita" em "Celebridades", que parece ainda um "Oito e Meio" às avessas. Lee
não é Guido, o diretor de cinema todo-poderoso, núcleo de um universo cujo
sentido lhe escapa. Mas, gravitando nas
órbitas dos mais ou menos famosos, ele
vai se acomodando a renúncias, a humilhações, vindas de um mundo que
também deixou de ter sentido. A banana não é o pênis, assim como a fama
não é feita de substância nenhuma.
"Celebridades" é uma falsa comédia leve e um dos filmes mais negros já assinados por Woody Allen.
Certezas - O redemoinho agitado pela efervescência imediata, no qual não
há mais lugar para nenhuma cultura
assentada e sólida, é próprio das badalações nova-iorquinas. Woody Allen
vive esse vazio por dentro. John Waters
o observa de fora. Ele elegeu sua Baltimore de origem, cafona e provinciana,
como o lugar do recuo crítico.
"O Preço da Fama" ("Pecker") opunha província e metrópole para mostrar que na primeira a sinceridade do
talento e dos afetos é possível. "Cecil B.
Demente" joga o amor sincero pelo cinema contra a Hollywood dos nossos
dias, percebida como um McDonald"s
do celulóide.
Essa cultura de cinéfilos, que defende Pasolini ou Samuel Fuller, termina
em desesperados estertores suicidas e
faz prova de sua verdade por meio de
quixotesca loucura: o rigor do grupo
Dogma 95 se perfila no horizonte. A
auto-ironia nunca é abandonada.
Waters, que cultivou em seus primeiros filmes o mais absurdo mau
gosto como combate à afetação bem-educada e vazia, detesta falsificações.
"Cecil B. Demente" mostra uma cinefilia que incorpora não apenas filmes
mais "intelectuais": ela encontrará
aliados no kung fu e na pornografia. É
a união de vibrações vivas e sinceras
atacando a hipocrisia dos bons comportamentos.
Origens - "Cecil B. Demente" não
possui a mesma fluidez nem a mesma
felicidade que banhava "Pecker". Ele
avança, desconfortável, com solavancos. Waters abandona a narração mais
sutil na sua verossimilhança, que havia assumido recentemente. Mas não
retorna ao primitivo e radical mau
gosto nem a atual produção possui a
precariedade de outrora. Volta-se,
contudo, para situações absurdas,
lembrando um pouco seus primeiros
filmes. Elas acentuam o caráter de parábola tomado pela narração, como
uma fábula que traz no seu bojo a lição
imoral escondida.
Dublê de corpo - Melanie Griffith
está em "Celebridades" e em "Cecil B.
Demente". Neste ela tem o papel principal; em ambos representa uma estrela do cinema. Traz consigo uma graça
levemente desajeitada.
Seu personagem em "Cecil B. Demente", ao ser raptado pelos cinéfilos
doidos, encontra um renascimento
para a própria carreira. A verdadeira
Melanie Griffith parece também renascer nesses dois filmes.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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