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+ Política
A via-crúcis de Giddens
Superficial, novo livro do criador da Terceira Via fracassa ao analisar o futuro do Estado de Bem-Estar
QUENTIN PEEL
O professor e lorde
Anthony Giddens,
alto sacerdote da
Terceira Via [leia
texto ao lado] e
inspiração do premiê Tony
Blair, tem outro motivo para
reclamar. Desta vez, em "Europe in the Global Age" [A Europa na Era Global, Polity Press,
224 págs., 12,99 libras, R$ 53], o
alvo é o modelo social europeu.
Ele existe, é possível defini-lo e, se existe, pode ser reformado? Será que é capaz de sobreviver diante das forças combinadas da globalização e do
envelhecimento das populações européias? O tema é altamente politizado e suscita mais
paixão do que praticamente
qualquer outro, no seio da
União Européia.
Ao longo do espectro do debate político europeu, o medo
da perda de proteção social para as camadas mais ameaçadas
pelas forças da globalização e
da mudança tecnológica serve
para alimentar um ressurgimento do nacionalismo e do
protecionismo.
Giddens classifica França,
Itália e Alemanha como "sociedades bloqueadas", nas quais "a
necessidade de mudança é aparente não só para muitos de
seus cidadãos mas para a maioria dos observadores informados, e, no entanto, é nelas que o
conservadorismo natural, os
interesses escusos ou ambos os
fatores impedem que as reformas necessárias ocorram".
Trechos recortados
Esse é o ponto de partida de
Giddens para argumentar sobre os motivos por que o velho
modelo social europeu -tributação elevada, Estado intervencionista, sistema de seguro social robusto e limitações à desigualdade econômica- precisa
de reforma. Ele acredita que as
reformas sejam não só possíveis como necessárias.
O problema é que, ao final de
mais de 200 páginas, continuo
a não compreender exatamente como. Esse é um livro que
parece ter sido redigido com
base em trechos recortados e
colados de dezenas de seminários diferentes, todos os quais
oferecendo alguma coisa de interessante, mas sem funcionar
como um todo coerente.
A tese básica -de que França, Alemanha e Itália estão estagnadas enquanto os países
nórdicos e mais o Reino Unido
e a Irlanda, a Holanda e a Espanha (até certo ponto) demonstram mais competência nas reformas tanto do sistema de seguro social quanto dos mercados de trabalho, para promover
mais flexibilidade e uma redução do desemprego- já foi praticamente esgotada.
E, além disso, é um tantinho
acomodada. A Alemanha decerto se reforma lentamente,
com um agonizante processo
de formação de consenso. Mas
a impressionante produtividade e a recente aceleração da
economia do país sugerem que
talvez esteja fazendo alguma
coisa direito.
Ele trata melhor das mudanças sociais extraordinárias pelas quais a Europa vem passando, da mobilidade de mão-de-obra e da flexibilidade de treinamento que as novas sociedades de "conhecimento e serviços" requerem.
Hoje, cerca de dois terços dos
empregos criados pela nova
economia exigem alta capacitação, e o número de mulheres na
força de trabalho aumentou
muito. O giro de mão-de-obra
se acelerou bastante. Os grupos
que correm mais risco são os
formados por homens com baixa capacitação, especialmente
em guetos de imigrantes. Mas,
em termos gerais, a migração é
uma força positiva para a promoção de maior mobilidade.
Ele acredita em um modelo
nórdico de "flexegurança"
-flexibilidade mais segurança-, ainda que jamais defina o
termo precisamente. A idéia seria em parte obrigar os desempregados a passar por treinamento de requalificação e a
aceitar empregos depois de
passarem determinado período desempregados, mas com
certeza o conceito precisa ser
um pouco mais desenvolvido
do que isso, não?
Dumping social
A questão que Giddens não
encara é o profundo medo que
os trabalhadores mais velhos e
de baixa capacitação sentem
quanto ao "dumping social"
-sistema que implicaria transferir seus empregos a operários
mais baratos na Europa Oriental ou nos países em desenvolvimento. Ele descarta as propostas em favor de protecionismo em dois parágrafos.
Argumenta que o dumping
social é um mito, porque transferir empregos aos novos países membros da União Européia os ajudará em seu processo de integração, e seus trabalhadores passarão a exigir padrões mais elevados.
Pode ser que ele esteja certo,
mas ele descarta os argumentos em contrário com um simples floreio de sua pena.
Trata-se de um trabalho deprimentemente superficial, enfeitado por vocabulário requintado. E não vai servir para persuadir qualquer eleitor francês
a mudar de idéia sobre a Constituição da União Européia. Infelizmente.
Este texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Paulo Migliacci.
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