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+ geopolítica
O território físico brasileiro, que é objeto da cobiça imperialista, é hoje o epicentro da história
Logorréia e ideofobia nacional
Gilberto Felisberto Vasconcellos
especial para a Folha
Logorréia valendo diarréia de palavras, muitas palavras, nenhuma idéia.
É, em sentido pejorativo, retórica: blablablá. Nas últimas décadas tivemos, na
chamada ciência política, o discurso repetitivo e enfadonho sobre "democracia", em que se abusou ao máximo da palavra "autoritarismo" contraposta à "sociedade civil"; nas ciências e letras, nos
periódicos e na universidade, tivemos a
voga da contracultura pop, do estruturalismo e, recentemente, da prosápia pós-moderna "iúpi". Isso tudo vindo sempre
lá de fora, via importação, tal qual "pacote tecnológico", espécie de caixa-preta da
superestrutura cultural.
Mesmo a deslumbrada viagem pelo
cronos da Internet dispensará o passaporte nacional; afinal, conforme diz o
credo pós-moderno, não existe mais nação, e sim redes, cadeias e networks, culminando com o logro elegíaco do "fim
da história", isto é, o fim da história não
para a patota do G-7, mas para o Terceiro
Mundo colonial, dando por suposto o
imperativo da desestatização da sociedade, da desterritorialização e do enfraquecimento das Forças Armadas nacionais.
A isso se deu o nome, a meu ver impróprio, de "neoliberalismo", que teria começado com as eleições em que Fernando Collor se saiu vencedor em 1989; na
verdade, trata-se de uma incontestável
regressão à pasmaceira colonial com o
descenso da esfera pública e da separação malvada entre possibilidade de bem-estar do povo e soberania nacional.
Cósmico e invencível
Nesse teatro
o marxismo figura como vítima, cadáver
atrasado que se esqueceu de deitar no
caixão, mortinho da silva depois da queda do Muro de Berlim, ou seja: a crise na
União Soviética é identificada com o fim
do socialismo em geral e o domínio, cósmico e invencível, do capitalismo norte-americano.
O problema é que, com raras exceções,
o marxismo no Brasil das últimas décadas se concentrou menos na crítica à falsidade da moeda, o dólar pós-Bretton
Woods, do que na crítica infantil ao Estado, fazendo proselitismo a favor da "sociedade civil" em oposição à "ditadura
militar", deixando de lado a questão da
resistência nacional ao imperialismo.
O tal do "internacionalismo proletário" ainda ressoa junto com a empáfia
narcísica em torno do "cidadão do mundo" no preconceito veiculado por muitos
intelectuais contra o nacionalismo, tido
como "burguês" e anacrônico, historicamente sepultado na era da "globalização". É nesse sentido que o marxismo
funcionou como fator ideológico colonizador, contribuindo para baixar a auto-estima nacional e ao mesmo tempo propiciando a resignação diante da "história
universal", como se a natureza mundial
dos problemas não implicasse a necessidade de solução em âmbito nacional. Em
termos de "força motriz" do desenvolvimento do capitalismo, convém lembrar
que o carvão mineral e o petróleo são
formados de camadas vegetais que se
mineralizaram, de modo que o começo,
parafraseando Goethe, é o hidrato de
carbono.
Atualmente a síndrome caramuru tomou conta de muitos intelectuais de "esquerda", meros espectadores ou consumidores de teorias sobre os problemas
do capitalismo feitas por autores medalhões estrangeiros. Curiosamente, ao invés de vexame, a ideofobia em relação ao
drama nacional surge como uma atitude
jubilosa, espécie de esnobismo de pobre
ou senão reflexo de quem teria superado
mentalmente as fronteiras provincianas
de um só país. Essa fobia neurótica de
parecer "caipira" não deixa de repercutir, depois do legendário e mistificado
"Seminário de Marx", na cozinha do Palácio do Planalto, cuja prosopopéia antropomórfica do Brasil corre paralela à
obsessão impatriótica em vendê-lo ao
peculato internacional.
O nacionalismo trabalhista, cujas origens remontam ao patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva, embora sensível
ao intercâmbio desigual e injusto do país
com os centros hegemônicos, apresenta
um discurso que permanece adstrito às
artimanhas da moeda, sem colocar em
pauta o vínculo do imperialismo e a
apropriação energética do território físico brasileiro, que, sem nenhum exagero,
é hoje o epicentro da história mundial,
sobretudo depois que ficou escancarado
o ocaso do combustível petróleo e, simultaneamente, a necessidade imperiosa de a humanidade ingressar em outro
patamar energético, tendo em mira que a
alternativa à fissão nuclear revelou-se
um fiasco completo, de modo que o poder mundial está de olho, para usar uma
epifania clássica do nosso cinema, na
"terra do sol", sem esquecer que o trópico brasileiro detém a maior quantidade
de água doce do planeta.
O intelectual pós-moderno faz da crise
do sujeito histórico sua razão de ser e,
por outro lado, seduz quem já se encontra desvitalizado e imerso, como é o caso
da cabeça colonizada, na impotência
criativa. É por isso que o
reinado, frívolo e antierótico, do príncipe da moeda tem por função precípua elidir a natureza física
do país, o inverso do que
queria Oswald de Andrade ao criar a antítese cromática e civilizacional entre
Wall Street e América do Sol.
Dialética da biosfera
Com exceção
de Gilberto Freyre e Luis da Câmara Cascudo, ou senão do médico Silva Mello, as
ciências sociais no Brasil nunca colocaram a energia da natureza como objeto
específico de conhecimento, dando ênfase apenas ao capital e ao trabalho. É por
isso que a reflexão realizada pelo físico
brasileiro J.W. Bautista Vidal significa
uma verdadeira revolução epistemológica ao trazer a energia vegetal da fotossíntese para o cerne do desenvolvimento
nacional, estabelecendo conexões entre
biosfera e relações sociais de produção.
Ilusório seria pensar, a partir de uma
abordagem equivocada do que seja tecnologia, que a produção econômica é capaz de se libertar dos condicionantes da
natureza física. Com a dialética da biosfera surge a possibilidade de superarmos
a condição de desterrados, energeticamente desterrados, a que se referia Sergio Buarque de Holanda, o inesquecível
autor de "Visão do Paraíso".
Gilberto Vasconcellos é professor de ciências sociais
da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor
de "O Príncipe da Moeda" (Ed. Espaço e Tempo), entre
outros.
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