São Paulo, Domingo, 30 de Janeiro de 2000


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Um dos fundadores da República brasileira, Benjamin Constant é tema de dois lançamentos que reconstituem sua vida íntima e a trajetória profissional
O herói amargurado

Roberto Ventura
especial para a Folha

Benjamin Constant morreu em 22 de janeiro de 1891, pouco antes da aprovação da Constituição, que o consagraria como o "fundador da República". Foi ministro da Guerra e depois da Instrução Pública, Correios e Telégrafos e entrou em violentos choques com o marechal Deodoro da Fonseca, chefe do primeiro governo republicano, que chegou a desafiá-lo ao duelo em plena reunião ministerial. Benjamin caiu doente no primeiro aniversário da proclamação, quando se queixou dos desgostos que sofrera no poder: "Um ano! um ano! e em que estado estou!". Recolhido à sua casa no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, sofria de falta de ar e de dores de cabeça e vagava insone, enquanto balbuciava assuntos do ministério. Morto, passou a ser cultuado pelos positivistas ortodoxos, com os quais tivera muitos conflitos. O Apostolado Positivista publicou em 1891 sua primeira biografia, escrita por Teixeira Mendes, que o elevava a herói da mesma estatura de Tiradentes e José Bonifácio. Mas tal mitificação não deu certo, já que poucos conhecem hoje a sua história. "Benjamin Constant - Vida e História", de Renato Lemos, desenterra sua figura do mausoléu republicano. O historiador apresenta um magnífico painel da vida brasileira na segunda metade do século 19 e reconstitui o dia-a-dia de uma família de classe média ao revelar detalhes da intimidade conjugal, da trajetória profissional e mesmo do orçamento doméstico do biografado. Renato Lemos mostra como a vida de Constant foi marcada pela luta para cobrir as despesas do lar. Tornou-se arrimo de família aos 12 anos de idade, quando viu seu pai morrer de tifo e a mãe enlouquecer. Com muitos dependentes, enfrentou graves dificuldades financeiras, contraindo empréstimos e ocupando o maior número possível de empregos. As cartas enviadas à mulher e familiares entre 1866 e 1867, quando esteve na Guerra do Paraguai, mostram seu empenho em obter funções com direito a gratificação para si e para o irmão. Trazem ainda suas críticas ao marquês (e futuro duque) de Caxias, comandante das forças brasileiras, que considerava covarde, corrupto e incompetente. Essa correspondência foi reunida por Renato Lemos em "Cartas da Guerra", outro livro recém-lançado. Militar sem vocação, Benjamin Constant se tornou amargurado com os sucessivos concursos que prestou para ingresso no magistério público. Classificava-se sempre em primeiro lugar, mas não obtinha a nomeação por força do patronato, que favorecia outros candidatos menos qualificados. Conseguiu entrar para a Escola Militar em 1872 como professor de matemática, mas se revoltou com a exigência de realização de novo concurso, para ser efetivado como catedrático. A disputa se tornou uma questão pessoal com o Imperador e só terminou em 1889, pouco antes da proclamação, quando foi transferido para a recém-criada Escola Superior de Guerra. Ficou, porém, com a impressão de que, sob o governo de d. Pedro 2º, o mérito não era garantia de ascensão profissional. Benjamin foi o mais importante divulgador do positivismo e dos ideais republicanos entre os alunos militares e jovens oficiais que participaram da conspiração que derrubou a monarquia. Vice-presidente do Clube Militar, recebeu a missão de preparar a queda do trono, de modo a pôr fim aos conflitos entre o Exército e o governo.

Carnaval na República
Foi o articulador do golpe de 15 de novembro de 1889, cuja liderança foi entregue a seu colega de farda, o general Deodoro da Fonseca. Com o apoio das tropas, a dupla acabou proclamando, na visão mordaz dos monarquistas, não a República, mas a ditadura militar, que se estendeu até o fim do governo do marechal Floriano Peixoto, em 1894.
Benjamin alcançou a patente de tenente-coronel e chegou a general "por aclamação popular" nos primeiros dias do novo regime, quando foram distribuídos aumentos de soldo e promoções militares até para os ministros civis! Ainda que contrário às recompensas concedidas por Deodoro, acabou assinando, como ministro da Guerra, as promoções que julgava indecentes.
Euclides da Cunha, o futuro autor de "Os Sertões", seu ex-aluno, não escondia a decepção com o antigo mestre, que nomeava parentes e conhecidos para cargos públicos. Outro escritor, Eduardo Prado, observou, em "Fastos da Ditadura Militar no Brasil" (1890), sobre esse trem da alegria: "Aquilo já não é militarismo nem ditadura nem República. O nome daquilo é carnaval".
O historiador inglês Thomas Carlyle observou, em "On Heroes, Hero-Worship, and the Heroic in History" (Sobre os Heróis, o Culto dos Heróis e o Heróico na História) (1841), que o herói revolucionário tem um papel trágico -precisa lançar as sementes da anarquia, para destruir a antiga ordem e construir um novo mundo, em que irá sucumbir. O rockeiro David Bowie também fala do caráter transitório dos heróis "por um dia" na música "Heroes" (1977): "We can beat them/ Just for one day/ We can be Heroes/ Just for one day".
Outros heróis do panteão republicano saíram do governo tão amargurados quanto Benjamin. Todos morreram, como ele, logo após deixar o poder. O marechal Deodoro, tido como o "proclamador da República", foi deposto em novembro de 1891 e deixou instruções para ser enterrado em trajes civis, sem homenagens militares. Seu sucessor, o marechal Floriano Peixoto, chamado de o "consolidador", recusou-se a transmitir a Presidência ao civil Prudente de Morais, que encontrou o palácio do Itamarati, sede do governo, quase abandonado. Renato Lemos conta, em "Benjamin Constant", parte dessa fascinante história.



Cartas da Guerra - Benjamin Constant na Campanha do Paraguai
220 págs., R$ 20,00 Renato Lemos (org.)
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)/ Museu Casa de Benjamin Constant (r. Monte Alegre, 255, CEP 20240-190, RJ, tel. 0/xx/21/ 509-1248).

Benjamin Constant - Vida e História
572 págs., R$ 49,00 de Renato Lemos
Topbooks (r. Visconde de Itanhaúma, 58, gr. 203, RJ, CEP 20091-000, tel. 0/xx/21/233-8718).



Roberto Ventura é professor de teoria literária e literatura comparada na USP e autor de "Estilo Tropical" (Companhia das Letras).


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