São Paulo, domingo, 30 de julho de 2000


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+ 3 questões Sobre teatro

1. Qual a importância dos festivais para o teatro brasileiro?
2. O uso de espaços cênicos alternativos é uma tendência atual?
3. Em que medida os avanços tecnológicos têm influenciado a concepção das montagens?

Antonio Araújo responde

1.
Acredito que, da maneira como os festivais vêm sendo realizados, a sua importância para o teatro brasileiro é muito pequena ou nenhuma. Em teoria, os festivais internacionais representariam a possibilidade de tomar contato com o melhor da produção estrangeira (consagrada ou emergente). Na prática, esses festivais não duram mais do que três ou quatro edições, sem qualquer projeto de continuidade e com critérios de seleção os mais estapafúrdios. Sinto falta de um pensamento curatorial que desse um eixo para esses eventos e tentasse administrar a dicotomia custo da companhia convidada x qualidade artística.
No caso dos festivais nacionais, a situação é ainda mais irritante. Com a enorme dificuldade de circulação de peças de teatro neste país, esses festivais representariam a possibilidade de encontro e troca entre artistas das mais diferentes regiões, não só em termos dos resultados/espetáculos, mas também de uma discussão sobre o teatro que é feito aqui e agora. Porém o que acontece é o velho privilégio do eixo Rio-São Paulo, critérios pífios de escolha (por exemplo, peças que não tenham estreado), estruturas amadoras de produção e uma ausência acentuada de debate e reflexão.

2.
Historicamente falando, o uso de espaços cênicos que não um edifício teatral construído para esse fim sempre ocorreu. Praças, ruas, feiras, átrios de igreja, salões da corte etc. são apenas alguns exemplos de espaços utilizados pela atividade teatral ao longo de sua história. Portanto não percebo isso como uma tendência "atual". O que eu percebo, às vezes, é a transformação dessas investigações de espaço num modismo vazio, numa bizarrice fácil ou numa tentativa escusa de atrair o interesse da mídia . No caso do Teatro da Vertigem, acreditamos que o espaço é decorrência de uma necessidade intrínseca da obra ou da nossa leitura/visão dessa mesma obra. Procuramos estabelecer uma relação entre o(s) sentido(s) do trabalho e as referências simbólicas, o registro emocional, os elementos de memória e o caráter institucional desses espaços. Além de isso nos permitir, é claro, um diálogo com o espaço da cidade como um todo.

3.
Apesar de uma tendência paquidérmica do teatro em relação a "avanços tecnológicos", ele acaba, mais cedo ou mais tarde, dialogando com esses avanços (ainda que seja pela via da recusa consciente). Apesar do teatro se configurar como o reino do humano, do corpo-a-corpo ator/espectador, não compartilho da visão de que o teatro é o oposto da tecnologia. Pois, ainda que esses avanços tecnológicos não sejam colocados explicitamente em cena, eles estarão informando a nossa percepção de mundo e, por consequência, o trabalho que realizamos (de qualquer forma, os problemas atuais do teatro são menos de ordem tecnológica do que ideológica e ética.)

Sérgio de Carvalho responde

1.
Os festivais de teatro são ainda mais importantes no Brasil porque a única política cultural que temos é a do aumento do patrimônio dos bancos. Na ausência de programas públicos de estímulo à continuidade da produção artística, de manutenção de grupos e de circulação regular de espetáculos, os festivais acabam sendo um dos poucos espaços em que a pesquisa e o risco artísticos ganham reconhecimento.
O Brasil já possui excelentes festivais de teatro que lutam a cada ano para continuar a existir, como o de Londrina, o de Porto Alegre, o de Recife, o de Campina Grande, o de Guaramiranga e tantos outros. Alguns festivais, até mais celebrados pela imprensa, como o de Curitiba, parecem ter decaído de vez na proporção em que enriqueceram. Cederam em seus critérios aos apelos mercadológicos mais fáceis e aprenderam a explorar o trabalho alheio, pagando miseravelmente ou não pagando.

2.
O uso de espaços alternativos foi uma tendência importante da vanguarda européia nos anos 60 e 70. Atualmente é menos importante. Muito do que se faz hoje tem como referência o trabalho de Luca Ronconi e Klaus Michael Grüber, que encenaram peças em todo local imaginável. Ambos, por sua vez, retomavam experiências já feitas nos anos 20, como as de Max Reinhardt. Essas pesquisas correspondem a uma vontade de superar a perspectiva unitarista do palco à italiana e instaurar um ambiente estranho ao hábitos condicionados da platéia. Correm o risco de, ao tentar romper a expectativa tradicional de recepção burguesa, apenas deslocá-la, multiplicá-la, refratá-la numa falsa variedade de pontos de vista, num festival de fogos-fátuos. Por outro lado, pode ser uma prática cênica mobilizadora quando o ambiente não se sobrepõe aos destinos humanos da narrativa.

3.
Nas montagens da Companhia do Latão, avanço tecnológico é tratar o público de igual para igual.

QUEM SÃO

Antonio Araújo
É diretor da companhia Teatro da Vertigem e professor do departamento de artes cênicas da Escola de Comunicações e Artes da USP. Montou "Apocalipse 1,11" (em cartaz no Presídio do Hipódromo) e "O Livro de Jó".

Sérgio de Carvalho
É professor de literatura dramática no departamento de artes cênicas da Universidade Estadual de Campinas e diretor do grupo Companhia do Latão. Atualmente ensaia a peça "A Comédia do Trabalho".



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