São Paulo, domingo, 31 de maio de 1998

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ROMANCE SONÂMBULO

a Gloria Giner e Fernando de los Ríos

Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
O barco em alto-mar
e o cavalo na montanha.

Com a sombra na cintura
em sua varanda ela sonha,
verde carne, cabelo verde,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Sob o luar gitano,
as coisas a estão olhando
e ela não pode fazê-lo.

Verde que te quero verde.
Grandes estrelas geadas
no breu sombrio anunciam
a chegada da alvorada.

A figueira o vento gasta
com seus ásperos ramos,
e o monte, gato larápio,
eriça suas pitas agras.
Mas quem virá? E por onde...?
Em sua varanda ela segue,
verde carne, cabelo verde,
a sonhar no mar amargo.

- Compadre, trocar eu quero
meu cavalo por tua casa,
minha sela por teu espelho,
minha faca por tua manta.
Compadre, venho sangrando
desde os portos de Cabra.
- Se pudesse, mocinho,
esse trato eu fechava.
Mas já não sou eu mesmo,
nem minha casa é minha.
- Compadre, quero morrer
decentemente em meu leito.
De aço, se possível,
com lençóis de holanda.
Não vês a ferida que tenho
do peito à garganta?
- Trezentas rosas morenas
em teu peitilho branco.
O sangue goteja e exala
ao redor de tua cinta.
Mas já não sou eu mesmo,
nem minha casa é minha.
- Deixa-me ao menos subir
até as altas varandas.
Deixa-me subir!, deixa,
até as verdes varandas.
Corrimões da lua
por onde a água ressoa.

Sobem já os dois compadres
rumo às altas varandas.
Deixando um rasto de sangue.
Deixando um rasto de lágrimas.
Tremiam nos telhados
candeeirinhos de lata.
Mil pandeiros de cristal
ferindo a madrugada.

Verde que te quero verde,
verde vento, verdes ramos.
Os dois compadres subiram.
O forte vento deixava
na boca um raro gosto
de fel, menta e alfavaca.
Compadre! Onde está,
dize-me, tua menina amarga?
Quantas vezes te esperou!
Quantas vezes te esperara
rosto corado, negro cabelo,
nesta verde varanda!

À beira da cisterna
a gitana se embalava
verde carne, cabelo verde,
com olhos de fria prata.
Um floco de lua
a sustenta sobre as águas.
A noite se pôs íntima
como uma pequena praça.
Guardas civis bêbedos
esmurravam a porta.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramos.
O barco em alto-mar.
E o cavalo na montanha.


De "Romanceiro Gitano"


Tradução de JORGE LUCIO DE CAMPOS

ROMANCE SONÁMBULO

a Gloria Giner e Fernando de los Ríos

Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el cabalo en la montaña.

Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
Pero quién vendrá? Y por dónde...?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde
soñando en la mar amarga.

- Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los puertos de Cabra.
- Si yo pudiera, mocito,
ese trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
- Compadre, quiero morir
decentemente en mi cama.
De acero, si puede ser,
con las sábanas de holanda.
No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
- Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
- Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas.
Dejadme subir!, dejadme,
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.

Ya suben los dos compadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando um rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal
herían la madrugada.

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo vento dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
Compadre! Dónde está, dime
dónde está tu niña amarga?
Quantas veces te esperó!
Quantas veces te esperara
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche se puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos
en la puerta golpeaban.
Verde que ti quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.

ROMANCE SONÂMBULO

Verde que te quero verde

o barco (verde vento) sobre o mar
o cavalo (verdes ramas) na montanha *
com a sombra (verde carne) na cintura
ela sonha (pelo verde) na varanda
com olhos de fria prata *
verde que te quero ver
sob a lua cigana
(as coisas olham pra ela mas ela não pode vê-las)


Versão de CARLOS ÁVILA



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