São Paulo, domingo, 31 de agosto de 1997.



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A FÚRIA DO TEATRO
Mandalas e mescalina

da Reportagem Local e da Redação

Zé Celso sofreu um enfarte há três anos e deixou de consumir drogas vasoconstritoras. Ele relata a prática com drogas na criação de peças. "É importante ter a possibilidade de informação que eles dão", diz, sobre os alucinógenos, "que são extraordinários".

Folha - Tem artistas que acham útil o uso da droga. Você pode comentar a sua experiência?
Zé Celso -
Infelizmente eu não posso usar mais. Eu queria até aproveitar, se algum médico ler esta entrevista, me diga quais são os alucinógenos que não são vasoconstritores. Mas eu realmente devo muito à maconha. Sempre me fez muito bem, na criação. Contribui para o relaxamento, para o desbloqueio. Dos alucinógenos, tem a mescalina. Eu concebi "As Três Irmãs", do Tchecov, com um trabalho profundo com mescalina, que se revelou uma mandala. Houve toda uma descoberta do teatro sagrado através da mescalina. O Artaud me dá isso de volta, agora, com o peiote. A própria origem do teatro... No teatro em Elêusis se comia cogumelo.
Folha - Mas você não nega o caráter destrutivo da droga.
Zé Celso -
Não. Mas o caráter destrutivo, para mim, está mais na carga da culpa, de quem sai do parâmetro da normalidade, do que na droga em si. Mas, é claro, eu sei. Eu sei que o crack é terrível. Mas, tirando o crack, depende da maneira que se toma. E eu adoro os alucinógenos. É importante ter a possibilidade das informações que eles dão, que são extraordinárias. O efeito destrutivo está mais ligado à criminalização e ao medo da investigação fora da normalidade.
Eu tenho certeza que Artaud é o grande curandeiro. Está sendo lido de ponta a ponta pelos psicanalistas. É um homem que passou por todas as experiências, inclusive das drogas piores, que são os choques elétricos, e saiu ileso, com o pensamento claro, enriquecedor.
Folha - Exceto pelas drogas, os tabus contra os quais seu teatro se insurgiu foram destruídos. A família patriarcal não existe mais, a repressão sexual é tênue, o capitalismo é quase consenso. Você não vê o risco de estar arrombando portas abertas e, por outro lado, estar dando murro em ponta de faca?
Zé Celso -
Não estão abertas. Eu sinto uma censura enorme.
Folha - Pelo lado econômico. Mas que censura moral existe?
Zé Celso -
Mas é evidente. Nenhum banco vai financiar uma peça em que uma pessoa do público é "estraçalhada". Não faz.
Folha - Mas por razões muito mais econômicas do que morais.
Zé Celso -
Não, imagina. Por que financia uma peça qualquer? A peça não existe, passa. Vai ficar a marca do banco. O importante é a marca, e a marca está ancorada numa visão tradicional. Existe uma censura nítida. "Não, não condiz com a imagem da nossa empresa." E a imagem da empresa condiz com alguma coisa. Com uma noção de Deus, de bem, de ordem. E as pessoas colocadas, empregadas, numa sociedade em crise social como esta, é evidente que farão tudo para se manter. E isso implica acreditar que é eterna esta situação. E não é eterna.



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