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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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Guevara em Curitiba

Che Guevara passou secretamente pelo Paraná em 1966, em plena Ditadura Militar, na sua travessia para a Bolívia, em busca de seu destino de guerrilheiro.
1966, sete horas e meia de ônibus de São Paulo à Curitiba. O ônibus com Guevara chega meia hora atrasado na Rodoviária velha, na rua João Negrão. Seu contato não o esperava na plataforma conforme o combinado. No ônibus só podia fumar cigarros, pensando no que fazer acende um charuto cubano com anel trocado para não denunciar sua origem. De terno e gravata, óculos, sem barba, e com os cabelos tingidos esbranquiçados mais parecia um pacato burguês de meia idade. De pé, maleta entre as pernas, esperou para ver se o seu contato aparecia e nada dele vir. Guevara já está preocupado. Nisso um homem olha para ele e diz "O que você está fazendo aqui, Guevara?" Antes que o "Che" se recuperasse do susto, o homem fala bem alto: "Você não devia estar em Cuba, Guevara?!" É um bêbado. rapidamente, Guevara tenta achar uma saída, mas mal pode balbuciar uma negativa: "Mi nombre no es Guevara/" O homem corta: "Que cheiro bom, é charuto cubano, né?! Vou querer um." Guevara não pode correr pois irá atrair a atenção dos guardas fardados que vigiam a rodoviária: "Isso que é charuto, não os matarratos que vendem aqui." Diz o bêbado. Guevara pensa até em mostrar o passaporte falso: "Estas me tomando por outra persona." Sem escutar, o bêbado puxa Guevara pelo braço: "Vamos tomar uma pinga,. Há quanto tempo a gente não se vê, eim Guevara". E vai puxando-o para o bar. "No puedo señor, espero outra persona." "deixa pra lá, ele acha a gente no bar". Guevara concorda, uma pinga até acalmaria, daria tempo para achar uma solução.
No bar da rodoviária, sentam na mesa onde está uma mulher com todo o tipo de ser uma vadia. o homem fala: "Querida, este é o Guevara que te falei. Tem a voz do Lucho Gatica. Canta aí o Sabor a Mi. Guevara rebate: "No se cantar, señor". A vadia ajuda: "Ele está bêbado, melhor o senhor dar o fora antes que ele apronte uma confusão". Guevara aproveita para sair, se levanta mas vê entrando no bar uma pessoa olhando para ele, nenhum dos dois precisa dizer nada, sabe que é seu contato que finalmente chegou. O bêbado insiste: "Canta, Guevara!" Che vai em direção ao contato, mas volta-se e com sua bela voz canta: "Passaram mas de mil años, mucho mas. Pero allá como aqui en la boca llevarás sabor a mi." Os dois soltam fumaça dos charutos cubanos, Guevara solta em círculos como só ele sabia fazer. O bêbado diz para a mulher: "Não disse que a voz dele era igual a do Lucho Gatica?!" E Guevara segue para seu destino. Um ano depois , morreria na guerrilha na Bolívia.


Valêncio Xavier


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