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Mario Mesquita

Notícias americanas

As boas notícias sobre a atividade econômica nos EUA tiveram amplo impacto nos preços dos ativos

Depois de vários meses concentrados nos mais mínimos detalhes do drama europeu, os mercados redescobriram a América nas últimas semanas.

Primeiro, o Fed anunciou de uma só vez a adoção de um regime de metas para a inflação, a saber, uma variação anual de 2% no deflator das despesas de consumo, a intenção de manter a taxa de juros próxima de zero até pelo menos o final de 2014 e a clara disposição de implementar mais uma rodada de expansão quantitativa -que os mercados denominam de QE3- caso a economia não melhore.

A atitude do Fed tem muito a ver com a visão de que é preciso agir para reduzir a taxa de desemprego, que andava próxima a 9%, para abaixo de 6%. Isso porque um período prolongado de taxa de desemprego elevada levaria à deterioração das habilidades dos desempregados, desencorajamento e deterioração das perspectivas de recolocação dessa parcela importante da força de trabalho.

Simplificando, a visão majoritária no Fed parece ser: 9% não é a taxa de desemprego estrutural da economia, mas, com o passar do tempo, pode vir a ser.

A preocupação do banco central com o desemprego, em patamar elevado para o padrão histórico americano, não é inconsistente com a meta para a inflação, visto que exerce pressão baixista sobre os salários e os preços. Aliás, o presidente do Fed, Ben Bernanke, declarou com todas as letras em audiência a congressistas que não vai transigir em relação à meta de inflação para obter uma redução extra da taxa de desemprego.

A visão consensual depois dos anúncios do Fed era que, a menos que surjam notícias muito positivas sobre a economia, não só a taxa de juros iria permanecer próxima a zero por muito tempo, mas estímulos adicionais poderiam estar a caminho.

Ocorre que poucos dias depois, na "supersexta", no dia 3, uma bateria de dados foi divulgada apontando para a possibilidade de a retomada americana estar mais forte do que se esperava. Em particular o mercado de trabalho, que tem sido o foco das preocupações do Fed, parece estar mais saudável, com forte, e generalizada, criação de empregos, cerca de 240 mil em janeiro, ante expectativas consensuais de somente 140 mil.

A taxa de desemprego também caiu, de 8,5% para 8,3%, mais em razão da aceleração da criação de empregos, e redução nas demissões, do que do efeito desalento -quando, o que é típico em períodos longos de crescimento baixo, as pessoas simplesmente desistem de buscar empregos.

Cabe registrar que os números melhores para o mercado de trabalho americano vieram em conjunto com a divulgação de dados mais favoráveis para o setor de serviços.

As boas notícias sobre a atividade econômica nos EUA tiveram amplo impacto nos preços de ativos, com os esperados efeitos favoráveis em preços de ações, e desfavoráveis em preços de títulos (as taxas de juros subiram, inclusive no Brasil).

A primeira vítima aparente da melhora dos dados americanos, caso esta se mantenha, será provavelmente a nova rodada de relaxamento quantitativo. Com melhorias gradativas mas consistentes do mercado de trabalho, o QE3, que parecia iminente, tende a ser adiado e pode mesmo ser cancelado.

Tal desenvolvimento não deixa de ser uma notícia favorável, do ponto de vista da dinâmica inflacionária global. Isso porque, vide a experiência do QE2 em 2010, uma nova rodada de expansão quantitativa nos EUA provavelmente daria impulso aos preços das matérias-primas, o que afetaria, em particular, a inflação das economias emergentes. O impacto inflacionário tenderia a ser ainda mais intenso, no caso dos exportadores de commodities, quando, como no Brasil, há resistências à apreciação adicional da moeda.

A perspectiva de manutenção de taxas de juros curtas próximas a zero, por sua vez, não deve mudar apenas em razão dos dados divulgados na sexta-feira passada -para isso seria necessário tanto uma sequência de números mais favoráveis como a redução dos riscos para a atividade, que ainda são importantes -os banqueiros centrais não costumam marcar seus cenários a mercado.

MARIO MESQUITA, 46, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Marion Strecker

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