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Vinicius Torres Freire

Um rio que passou na sua vida

O que é 'mudança estrutural'? Quem percebe a novidade, na economia ou sob o seu nariz?

A EXPERIÊNCIA É banal, ilusão fácil de entender: a mudança torna-se mais evidente quando reencontramos o amigo, a ex-namorada, o filho depois de um tempo sem vê-los.

Quer se trate de 20 anos no caso da "ex" ou de 15 dias no caso do seu bebê, a mudança "estava lá", menos notável quando a presenciamos regularmente porque incremental.

O quanto somos capazes de perceber mudanças em instituições, numa economia, num país, que em geral estão "sempre lá" e nos quais de resto estamos imersos?

O choque é possível, em caso de um coma longo, digamos de modo absurdo, ou de mudanças para países distantes.

No mais das vezes, precisamos de perspectiva, tempo e espaço para percebermos a mudança. De resto, nossa compreensão é pequena demais para relacionarmos ao menos os fatores relevantes de transformação. Frequentemente, nem percebemos que eles estão lá até que tudo já se tenha resolvido e apenas então notamos o que causara tudo aquilo, se tanto.

Sim, todos esses comentários são banais, cediços, apareceram de um modo ou outro em milhares de literaturas, poemas, memórias, filosofices ou cartas banais da vida, ao longo de muitos séculos.

Numa tabuleta de argila suméria de quase 4.000 anos, no Louvre, um velho se queixava da "mudança dos tempos": os jovens cada vez mais desrespeitavam os velhos e eram cada vez mais mal educados.

No entanto, nos debatemos como loucos sobre assuntos de curto prazo, amaldiçoamos a inércia dos tempos e, para entrar enfim na banalidade do nosso assunto, juramos que tal geração, classe, partido ou governo nada fez pela mudança.

Em momentos de reações bem-sucedidas a crises muito longas e graves, a mudança se torna mais evidente.

O Brasil parecia atolado numa crise em fim dos anos 1980 até 1994. O governo FHC evidentemente tomou medidas para estabilizar o país e torná-lo minimamente funcional entre os anos de 1995 e 2000. Mas nada mudava no Brasil entre os 80 e o 2000?

Mudava a demografia, mudava mesmo a geografia, a distribuição das pessoas e seu modo de se assentar nas cidades e descampados, o que altera o modo de a sociedade se organizar e agir.

Treinamo-nos em democracia, fizemos uma Constituição parte absurda e parte pacto e programa mínimo de civilização. Nada brilhante, mas já fomos mais selvagens.

Os anos Lula foram de escassa imaginação e novidade institucionais, mas derrubaram mitos antipopulares e conservadores. Por meio da sua distribuição por vezes mal pensada de benefícios sociais sedimentou a ideia de que os sem-nada tinham direitos.

Os efeitos dos atos de FHC ainda desabrocham, os de Lula mal aparecem ainda. Mudanças "sociológicas" (demografia, relação com novas tecnologias, "novas classes") são mais difíceis de entender, mas daí surgem soluções e se criam problemas e resistências novos (quem sabe um efeito do lulismo seja a criação de uma sociedade de classe média baixa conservadora?).

No curto prazo estão os momentos decisivos. Mas, para usar outra metáfora velha, notamos mais nossos mergulhos diferentes num rio do que o fato de que ele nunca é mais o mesmo.

vinit@uol.com.br

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