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Samuel Pessoa

Compras diretas de ativos do BCE

Países que não aceitarem as condições para participar do programa podem ser levados a um abismo fiscal

No último dia 6 de setembro, o BCE (Banco Central Europeu) anunciou, em seguida à reunião do comitê executivo, que iniciaria um novo programa de compras diretas de ativos. O BCE comprará no mercado secundário títulos de dívida soberana dos países que compõem a UM (União Monetária).

Segundo o comunicado divulgado pelo BCE, o objetivo do programa é normalizar as condições monetárias dos países que compõem a UM, garantindo que os mecanismos de transmissão monetária funcionem da mesma forma em toda a região.

A sugestão implícita no comunicado é a de que os elevados "spreads" pagos pelos títulos de Espanha, Itália, Portugal e Grécia têm impedido que a política monetária expansionista do BCE tenha seus efeitos nessas economias.

Assim, segundo o BCE, a compra de títulos soberanos das economias do sul da UM não visa ajudar os respectivos Tesouros, mas sim criar condições para a melhor implementação de sua política monetária.

Evidentemente, o comunicado não esclarece que os elevados "spreads" são consequência dos problemas de desempenho econômico que aquelas economias enfrentam e esses essencialmente, em que pesem alguns exageros fiscais, resultam da perda de competitividade experimentada pelas economias do sul da Europa em função do forte crescimento do crédito em seguida à criação da UM.

Ou seja, os elevados "spreads" pagos pelos títulos soberanos explicitam a dúvida que há quanto à capacidade dos governos de cumprirem seus compromissos em função dos problemas econômicos advindos da perda de competitividade dessas mesmas economias em seguida à criação da UM.

O esforço do BCE em comprar os títulos de dívida soberana desses países não irá contribuir diretamente para a redução do atraso competitivo dessas economias. Assim, trata-se de mais uma operação para que a Europa ganhe algum tempo enquanto os políticos tentam completar a construção institucional hoje muito incompleta da UM.

O comunicado deixou claro que, para serem elegíveis ao programa de compras diretas, as economias precisam se sujeitar a programas de ajustamento macroeconômico, possivelmente com a supervisão do FMI (Fundo Monetário Internacional).

Nesse ponto, será importante acompanharmos a natureza dos programas de ajustamento. É possível que esses programas determinem metas para variáveis macroeconômicas e fiscais.

Por exemplo, metas para crescimento ou inflação e metas para evolução do deficit nominal e do gasto público. Se esse for o caso, acho que dificilmente os países não conseguirão cumprir o acordo. De fato, penso que eles nunca cumprirão o acordo, mas nunca o órgão responsável pelo acompanhamento das condicionalidades provavelmente o FMI- conseguirá alegar que não há cumprimento do acordo por falta de empenho.

Ocorre que a situação dessas economias já se encontra de tal forma debilitada e o nível de desemprego tão elevado que é muito difícil alegar que essas sociedades não estão pagando um altíssimo preço para ajustar as suas contas públicas.

De fato, o "waver" dado a Portugal na última terça-feira sugere que a minha análise está correta. Assim, as condicionalidades somente serão efetivas se elas avançarem em direção às reformas institucionais que elevem a eficiência da economia e reduzam estruturalmente os gastos públicos.

Em geral, tais reformas constituem uma longa lista de maldades -reforma da previdência, desregulação do mercado de trabalho, reforma tributária etc.-, com barreiras políticas quase que intransponíveis. Somente se as condicionalidades especificarem e detalharem reformas dessa natureza teremos problemas.

É possível que os sistemas políticos dos países não as aceitem e, portanto, o BCE fique na obrigação de exclusão dessas economias do programa de compra direta de ativos, levando-as para um abismo fiscal em função da dificuldade de rolagem das dívidas soberanas.

Vale acompanhar em detalhe a natureza dessas condicionalidades nas próximas semanas.

SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.

AMANHÃ EM MERCADO:
Marcia Dessen

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