São Paulo, segunda-feira, 09 de maio de 2011

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GUSTAVO CERBASI

A inflação que não percebemos


O chocolate fica mais fino, os enlatados perdem alguns gramas e o papel higiênico tem dez metros a menos


A INFLAÇÃO, velha conhecida dos brasileiros, tem dado o que falar. Desde o final de 2010, o alerta soou forte quando contratos de aluguéis sofreram reajustes superiores a 10% devido à estilingada do IGP-M no período.
Com as famílias em dificuldades para estancar os vazamentos inflacionários no orçamento, tivemos o debate sobre o aumento do salário mínimo, e com ele a evidência da injustiça.
Corrigida com base no IPC-A, a renda perdeu feio para o aumento de diversos gastos básicos, incluindo toda uma cadeia produtiva impactada pelos aumentos nas diversas formas de energia e outras tarifas públicas.
Teoricamente, a economia não é mais indexada. Na prática, o que acontece é a correção dos preços pelo índice mais volátil, o IGP-M, e a correção da renda pelo índice que filtra os excessos, o IPC-A.
Sim, estamos sendo enganados com essa história de que não há indexação. A sorte do brasileiro é que a economia ainda cresce, o que permite às famílias ganhar mais não pela correção monetária dos salários, mas sim pelas oportunidades de trabalhar mais.
A responsabilidade pela inflação é majoritariamente do governo, pois os preços sobem devido à expansão da base monetária -conhecida também como impressão de dinheiro- e da indexação dos custos dos serviços de utilidade pública, incluindo a energia, o transporte público e os combustíveis.
Quando a base das atividades fica mais cara, é inevitável haver aumento em toda a cadeia produtiva.
Porém, há de se reconhecer que o governo, ao menos, elencou o combate à inflação como prioridade máxima. Isso deve surtir efeitos.
Entretanto, a despeito dos erros que o governo comete e das iniciativas em corrigi-los, compete a cada cidadão fazer sua parte no combate ao aumento de preços.
Isso se faz conhecendo preços e administrando escolhas. Se você observa alta no preço do álcool e abastece com gasolina, ou compra cenoura quando o tomate encarece, está driblando parte do aumento de preços e criando um índice de inflação pessoal menor do que o oficial.
Com cuidados desse tipo, não é difícil criar um índice de inflação familiar inferior ao do IPC-A.
Tal atitude é eficaz quando sabemos dos preços e reagimos contra os aumentos. Porém, há um tipo de aumento de preços muito praticado no Brasil e ainda pouco debatido, que impõe uma inflação ao consumidor desatento sem que ele perceba que está pagando a mais.
É quando a indústria, em vez de repassar a inflação para os preços dos produtos, o faz através da redução das embalagens.
Acontece com o papel higiênico com uma camada a mais, mas dez metros a menos no rolo; nos enlatados, com redução de alguns gramas na embalagem; no chocolate, que fica mais fino a cada modernização de embalagem.
O consumidor atento já reparou que nas embalagens de iogurte consta agora a informação do tipo "gororoba láctea imitação de iogurte / atenção: não é iogurte".
O que aconteceu? Substituíram o alimento por algum tipo de espessante barato, que reduz o custo e a nutrição, mas mantém o sabor. Isso tem acontecido com todos os derivados lácteos. Na prática, estamos pagando mais, mas levando menos.
Curiosamente, essa inflação oculta alivia a carga de responsabilidade da indústria.
Como o consumidor não percebe que está comprando menos, acredita que o erro é dele quando o papel higiênico dura menos. Sente-se culpado por não ser capaz de consumir como antigamente, quando uma quantidade menor de compras durava mais tempo.
A atitude da indústria é indecente, ao levantar a bandeira da briga contra a inflação e apontar o dedo para o governo, enquanto adota práticas perniciosas como as que citei.
Ao consumidor, cabe reagir contra essa inflação disfarçada, boicotando produtos que encolhem ou que perdem qualidade. Atente não apenas aos preços, mas também ao conteúdo do que você consome.



GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Investimentos Inteligentes" (Thomas Nelson). Internet: www.maisdinheiro.com.br

@gcerbasi

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