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OPINIÃO
Cidadão ignora que papel maior do Estado implica abrir mão
FILIPE R. CAMPANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA
A reflexão sobre os termos
nos quais o papel do Estado é
pensado em nosso país -e
seu impacto no desenvolvimento econômico do Brasil
nos próximos anos e décadas- me leva imediatamente a pensar no cinema 3D.
Explico: recentemente, em
um artigo de jornal sobre a
relativa escassez de salas de
cinema com projetores 3D no
país, saltou aos meus olhos o
lamento de um representante dos exibidores: "infelizmente, o governo, isto é, o Estado, não pensou em uma
política de incentivo ao 3D."
Não pude deixar de pensar: por que deveria o contribuinte -você, leitor, e eu, e
aqueles que não têm grana
para frequentar cinemas,
mas pagam impostos em tudo o que compram- financiar ou subvencionar atividade claramente lucrativa?
De onde deveriam sair os
recursos para tal? Da saúde,
da educação básica? Ou de
impostos adicionais a serem
pagos por todos nós?
Minha intenção não é ridicularizar o executivo do
exemplo. Não faltariam outros exemplos semelhantes e
igualmente bem-intencionados -entre os mais inofensivos, os atletas olímpicos invariavelmente insatisfeitos
com a falta de apoio governamental às suas modalidades.
O que eles ilustram, no entanto, é o fato de as perguntas acima simplesmente não
ocorrerem aos cidadãos que,
quer disso se apercebam ou
não, são o centro daquele debate sobre o papel do Estado.
Eles não reconhecem que
os recursos do Estado são, na
verdade, do contribuinte, e
que existe aquilo que os economistas chamamos de restrição orçamentária: os recursos são escassos, e por isso escolher fazer alguma coisa implica necessariamente
escolher não fazer outras.
Sem esse reconhecimento,
o debate é distorcido. Como
pensar no Estado que queremos sem pesar as restrições
sob as quais ele opera?
Não surpreende que os políticos não conduzam esse
debate em termos mais maduros, pois somos nós, os cidadãos, que não desejamos
ouvir esses termos.
Da mesma forma, não basta apenas dizer que será possível reduzir a carga tributária e investir em saúde e educação, e construir uma sala
de cinema 3D em cada povoado do país, tudo ao mesmo tempo, se não houver
corrupção nem desperdício.
Lutemos contra ambos
sem trégua, mas há que se ter
claro que é preciso fazer escolhas no mundo real e não
em um país virtual. Desejar
uma realidade melhor não
nos exime de tomar decisões
aqui e agora, e de enfrentar
as consequências delas.
Desconfiemos, pois, dos
que prometem ou bradam
por mais sem dizer o que haverá de menos, sejam eles
políticos ou nós mesmos. Cada vez que pedirmos que o
governo faça mais disso ou
daquilo, pensemos no que
será preciso que ele deixe de
fazer ou que faça pior.
De quanto estaríamos dispostos a abrir mão? Quando
fizermos essas perguntas, estaremos em posição de entender o que queremos dizer
com Estado "forte", "ativo"
ou o que o valha, para além
do marketing de campanha.
FILIPE R. CAMPANTE é professor-assistente de política pública na Kennedy School of Government, em Harvard
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