São Paulo, sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Está na hora de mudar de nível


Debate sobre ritmo do PIB, inflação, juros, gastos etc. está centrado demais no curto prazo e envelhecido

ENTRE QUEM se ocupa rotineiramente de assuntos como o resultado do PIB, não se deu muita atenção ao dado divulgado ontem pelo IBGE. Houve uma ou outra surpresa menor, devida em grande parte a revisões da série estatística. Por um lado, o dos economistas, analistas e consultores, gente da finança, o pessoal está mesmo mais interessado em discutir o que será da inflação, de quando virá o próximo aumento da taxa de juros e em como e se virá controle maior de gastos públicos.
Por outro, o dos economistas ditos "desenvolvimentistas" e similares, da indústria e de consultores da indústria, houve chiadeira habitual sobre o fraco desempenho do setor, que atribuem às importações azeitadas pelo real forte, dizem, o que é verdade, mas não toda.
Na terceira margem do rio, as pessoas comuns estavam mais interessadas no fato de que o número do celular agora terá nove dígitos. Não fazem ideia do que seja PIB, e a economia anda bem, na prática mais imediata, com emprego e salário crescentes. Em suma, o número do PIB não comoveu quase ninguém.
A economia deve crescer uns 7,5% neste ano. Parece muito. Sim, é uma recuperação satisfatória de uma crise mundial ruim. Mas é tolice dizer, como Lula o fez, para variar, que o Brasil "só perde da China" neste ano. No biênio 2009-10, a China terá crescido quase 9,6% ao ano; o Brasil, 3,4%.
Os intestinos das contas nacionais, as do PIB, contam a história sabida por outros indicadores. A "demanda doméstica" (consumo privado, investimentos "na produção" e gastos do governo) cresce mais do que o PIB. Parte desse excesso de consumo é satisfeita por importações, parte vira inflação. Quanto vira inflação? Difícil saber. Os dados do PIB não prestam muito para pensar minúcias da inflação e da política monetária (de juros).
Ainda assim, os economistas-padrão discutiam ontem se o crescimento do PIB já "se acomoda a um ritmo sustentável", como eles dizem e como observou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Os economistas mais certeiros acreditam que a economia vai passar o trimestre final de 2010 e 2011 rodando a 4%. É um crescimento do PIB que dizem ser compatível com inflação dentro da meta, por aí. Mas, no curto prazo (menos de um ano), essa conta é muito grosseira.
Afora a hipótese de catástrofes (síndrome da China, calotes europeus etc.), as perspectivas para 2010-11 continuam, pois, as mesmas no que diz respeito ao crescimento.
Nosso problema continua a ser o de planejar o médio prazo, pelo menos, o crescimento para daqui a cinco anos. Ou seja, arrumar um meio de evitar que a cada ciclo curto de crescimento tenhamos de dar pauladas nos juros devido a repiques de inflação. Ou arrumar meio de evitar que a indústria seja avariada pela concorrência externa devido ao fato de termos estradas indecentes, fisco opressivo e outras burocracias burras. Ou arrumar um meio de financiar empresas inovadoras e de inventar o crédito de longo prazo. Etc.
A discussão tem de mudar de nível, mais ou menos como ocorreu com o fim da hiperinflação. Sempre haverá o que discutir sobre juros e câmbio de curto prazo, claro. Os números do PIB sempre contarão uma história sobre a economia, claro. Mas, por enquanto, essas histórias já são bem conhecidas.

vinit@uol.com.br


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