São Paulo, sábado, 12 de junho de 2010

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STEPHEN ROACH

A nova lição para a resistente Ásia


A Ásia precisa caminhar agora na direção de maior confiança em seus mercados internos

A ÁSIA atravessou a crise mundial de 2008/9 em condições excelentes.
Como presidente do conselho do Morgan Stanley em suas operações asiáticas, nos três últimos anos, tive o privilégio de testemunhar a extraordinária resistência da região.
Agora que estou por voltar aos EUA, três lições se destacam.
Primeiro, a Ásia aprendeu bem as dolorosas lições da crise regional de 1997/8. Aquela crise resultou da vulnerabilidade asiática às vicissitudes dos fluxos internacionais de capital.
A falta de reservas cambiais, a exposição excessiva a dívidas externas de curto prazo e a rigidez das âncoras cambiais então em uso ofereceram pouca chance à região de resistir à fuga do "hot money".
Em contraste, na Ásia a mais recente crise ocorreu primordialmente como um choque de demanda externa. A queda de 11,8% no volume do comércio mundial de bens, em 2009, atingiu a região com grande severidade. Mas o acúmulo de reservas cambiais pela Ásia entre as duas crises isolou a região contra a convulsão financeira que se seguiu ao colapso do Lehman Brothers.
Segundo, há o fator China. O país chegou à posição de força econômica dominante na região. Nos últimos dez anos, economias impulsionadas pela exportação, tais como Japão, Coreia do Sul e Taiwan, redirecionaram seus embarques internacionais. No passado, seu maior mercado de exportação eram os EUA, mas agora é a China. O "sonho asiático", como resultado, agora se tornou bem mais um sonho chinês.
Isso coloca a Ásia em uma situação complicada -depender mais e mais da China para o crescimento e prosperidade sustentados. No entanto, os desafios chineses dificilmente podem ser minimizados -como o demonstram as bolhas nos mercados de crédito e imóveis e pressões trabalhistas vistas nos recentes problemas da Foxconn.
Mas, da mesma forma que medidas administrativas cirúrgicas parecem suficientes para conter os danos das bolhas, o rápido crescimento da produtividade deve compensar os aumentos nos salários mínimos há muito postergados e manter sob controle o custo da unidade de mão de obra. Isso não torna menos desafiador o principal imperativo estrutural chinês: a necessidade de estimular o consumo privado.
Tenho esperanças de que a China realize a tarefa de favorecer o consumo. Isso estimularia os fornecedores do país no leste asiático -Coreia do Sul, Japão e Taiwan.
Terceiro, a China não pode presumir que só porque sobreviveu bem à crise econômica mundial tenha descoberto a fórmula mágica da prosperidade econômica. Em um mundo cada vez mais complexo e integrado, os problemas muitas vezes passam por mutações imprevistas. O contágio entre diversos produtos em 2008/9 foi muito diferente do contágio através de fronteiras de 1997/8.
Para isso, a Ásia tem muito a fazer. No final dos anos 90, as exportações respondiam por 35% do PIB nos países em desenvolvimento asiáticos. Dez anos mais tarde, a proporção havia subido a 45%. A região passou a depender mais da demanda externa no momento em que os efeitos colaterais da crise de 2008/9 começarão a afetar essa demanda, nos EUA e na Europa.
Nesse contexto, é essencial que a Ásia se adapte uma vez mais -e caminhe na direção de maior confiança em seus mercados internos.
Aposto na Ásia -os próximos três anos devem ser melhores do que o período de minha recente passagem pela região. Creio que a China compreende o que está em jogo: a era pós-crise deixa ao país pouca escolha que não fazer de seu 1,3 bilhão de consumidores uma grande fonte de crescimento interno.
Mas parto da Ásia com preocupação, principalmente com a constante saraivada de críticas à China em Washington.
Temo que os EUA, com seu imenso deficit comercial multilateral derivado de uma deficiência sem precedentes na poupança interna, cometerão um grande erro ao buscar um "remédio" bilateral para a recuperação econômica sem criação de empregos, por meio da imposição de sanções comerciais à China.
Mais que nunca, os EUA têm de parar de descontar suas frustrações nos outros. Deveriam se olhar no espelho e aprofundar a compreensão sobre a responsabilidade que têm pelos próprios problemas. Esse é o imperativo de reeducação dos EUA e um dos motivos para minha volta à Universidade Yale.


STEPHEN ROACH, presidente do conselho do Morgan Stanley Asia e autor de "The Next Asia" [A Próxima Ásia], vai se tornar professor da Universidade Yale a partir de 1º de julho. Este texto foi publicado originalmente no "Financial Times".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO: Fábio Barbosa


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