São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

RODOLFO LANDIM

Estratégia e disciplina de capital


Analistas e investidores não conseguem entender a razão de algumas decisões tomadas pela Petrobras


EXISTEM MUITAS razões pelas quais o mercado de capitais atribui valor às companhias, mas certamente duas são muito importantes. A primeira é a existência de estratégias claras, compreensíveis, que façam sentido e sejam suportadas por um plano de ação cuja implantação seja factível e a elas alinhado.
A segunda é o que podemos chamar de disciplina de capital, que pode ser explicada como a garantia de que a aplicação dos recursos financeiros seja feita, além de em consonância com as estratégias, também de forma a trazer os maiores retornos de capital aos acionistas.
Apesar de ser algo intuitivamente lógico, a disciplina de capital é sempre um desafio, principalmente dentro de empresas gigantes, com várias áreas de atuação praticamente autônomas e com muito dinheiro para gastar.
Dentre as maiores do mundo, poucas, ou talvez até mesmo nenhuma, tenha mais potencial de crescimento e criação de valor do que a Petrobras. Ela tem reservas gigantes de petróleo, domina as tecnologias necessárias para produzi-lo e tem acesso a capital com facilidade.
Então, por que os acionistas da companhia vêm perdendo dinheiro ao longo de 2010?
A primeira razão foi a diluição ocorrida pelo recente processo de capitalização da empresa.
Mas por que, mesmo tendo sido ali estabelecido um novo patamar inicial para o preço das ações, o comportamento subsequente continua deixando a desejar?
A realidade é que tanto os analistas como os investidores não conseguem entender a razão de algumas decisões que vêm sendo tomadas pela empresa, e o reflexo desse sentimento vai direto para o preço das ações.
Por exemplo, a Petrobras anunciou a compra de participação em um campo de gás na Bolívia, país que teve enormes problemas com quebras de contrato no passado recente, mesmo tendo em seus planos futuros a produção de uma enorme quantidade de gás associado (gás produzido com o óleo) do pré-sal, para a qual terá dificuldades de criar mercados.
Em outra decisão, resolveu adquirir 30% do capital da Refap (Refinaria Alberto Pasqualini), que pertencia à Repsol. Refinarias já são naturalmente investimentos de baixo retorno. Adicionalmente, o preço de venda acordado entre as partes foi bem mais elevado do que a média dos últimos negócios feitos para a compra de refinarias no mundo, mesmo considerando ser essa uma unidade relativamente nova.
A compra da participação na Refap também tira da Petrobras uma importante proteção estratégica.
Tendo um sócio na refinaria, ela sempre teria um importante aliado e maior transparência na defesa daquela que talvez tenha sido a maior vantagem que a abertura do setor do petróleo trouxe para a empresa: a prática de preços de mercado para seus derivados.
Sendo agora, depois dessa e da aquisição da Ipiranga, o único agente no setor de refino no Brasil e recebendo petróleo internamente por mecanismos de transferência interna, a Petrobras ficará muito mais suscetível a pressões da sociedade para manter os preços dos derivados artificialmente baixos.
Isso ocorreu continuamente nos tempos do monopólio e afetou a capacidade de investimento da companhia por muitos anos. Está ainda nos planos da companhia construir cinco novas refinarias, cujos custos previstos são extremamente elevados. Mesmo tendo um nível de complexidade maior para justificar os custos, é difícil de imaginar que venham a ser um bom investimento.
Por fim, foi anunciado que a companhia pretende vender capacidade de refino no exterior, o que somente ocorrerá a valores bem mais baixos do que os pagos pela Refap e, principalmente, do que os custos estimados para as novas refinarias a serem construídas no Brasil.
A rentabilidade do refino no exterior tem sido baixa? Faria sentido vender capacidade de refino lá fora a preços baixos e ampliar tanto a interna a custos bem mais elevados? Resumindo, as estratégias da Petrobras não têm sido bem entendidas pelo mercado e a sua disciplina de capital tem sido pouco convincente. O valor de mercado é reflexo e consequência disso.

RODOLFO LANDIM, 53, engenheiro civil e de petróleo, é conselheiro da Wellstream. Trabalhou na Petrobras, onde, entre outras funções, foi diretor-gerente de exploração e produção e presidente da Petrobras Distribuidora. Escreve quinzenalmente, às sextas-feiras, nesta coluna.


Texto Anterior: ONGs tentam barrar financiamento para usina de Belo Monte
Próximo Texto: Saudita copia Dubai em nova zona franca
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.