São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

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Saudita copia Dubai em nova zona franca

Projeto para economia pós-petróleo prevê a construção de quatro cidades e distrito financeiro próximo à capital

Família real se inspira em zonas especiais da China; regras religiosas rígidas e segregação do país ainda são entrave

NICOLAI OUROUSSOFF
DO "NEW YORK TIMES", EM JIDDA, ARÁBIA SAUDITA

Bem perto de uma estrada no deserto, a pouco mais de uma hora de carro do porto saudita de Jidda, um enorme portão em arco, encimado por três domos, projeta-se da areia como se fosse um cenário para uma fantasia de cinema mudo dos anos 20.
Mas na verdade se trata de uma fantasia do planejamento urbano contemporâneo, o canteiro de obras daquilo que um dia será a Cidade Econômica Rei Abdullah, um projeto de 166 quilômetros quadrados à beira do mar Vermelho.
Com população esperada de dois milhões de habitantes, a cidade pretende se tornar versão para o Oriente Médio das "zonas econômicas especiais" que floresceram em países como a China.
A cidade é uma das quatro que estão sendo construídas em regiões desérticas do país, todas as quais devem estar concluídas até 2030. Elas representam um passo adiante, depois da construção da primeira universidade mista da Arábia Saudita, inaugurada no ano passado, e de um distrito financeiro de área semelhante à da região sul de Manhattan que está em construção nas cercanias da capital, Riad.
Em termos arquitetônicos, as construções não poderiam ser mais enfadonhas, como convencionais torres de vidro inchadas cercadas por casas urbanas sem graça e por casas suburbanas decoradas em estilos pseudo-históricos. A escala gigantesca dos projetos e a abordagem de criar tudo do zero fazem lembrar esforços de planejamento ao velho estilo modernista.
Metade da população saudita, de mais de 13 milhões de pessoas, tem menos de 20 anos, e isso leva o monarca, o rei Abdullah, 86, a tentar criar mais de um milhão de empregos novos e quatro milhões de novas casas, nos próximos 10 a 15 anos.
Ele e a família real planejam uma economia menos dependente do petróleo e comandada por uma nova classe social de médicos, engenheiros e empresários capazes de funcionar com eficiência no mercado mundial.
A fim de realizar essa façanha, o governo saudita afirma que precisa abrir um pouco as portas a alguma forma de modernidade ocidental ou pelo menos a uma modalidade menos rígida do islamismo praticado no país. Atualmente, há uma separação rígida entre os sexos, severas restrições à participação das mulheres na vida pública e vigilância pela polícia religiosa.
A ideia é criar ilhas nas quais mudanças possam se difundir sem antagonizar as poderosas forças conservadoras que existem no reino.
Caso o plano funcione, na melhor das hipóteses, conseguirá transformar a Arábia Saudita em uma sociedade tecnologicamente avançada sob o controle de uma autocracia religiosa ligeiramente mais tolerante -ou provocar violência de militantes e repressão governamental.
"O que eles estão tentando realizar é muito difícil", disse Bernard Haykel, professor de estudos do Oriente Próximo na Universidade de Princeton. "Terão um islamismo mais ecumênico. Mas é difícil controlar a mudança. Quando ela começar, o país terá basicamente aberto as portas a um determinado grau de diversidade e tolerância."

"MODERNIDADE"
A Arábia Saudita em muitos pontos tem jeito de país moderno. Riad foi construída com base em urbanismo racionalista, nos anos 60.
A avenida King Fahd é uma via expressa de múltiplas faixas de trânsito que atravessa a cidade e exibe diversos marcos urbanos reconhecíveis: o Kingdom Center, um arranha-céu conhecido como "abridor de garrafas", com uma abertura triangular no topo; a torre Al Faisaliah, um projeto pontiagudo de Norman Foster; e a sede do Ministério do Interior, uma pirâmide invertida de concreto.
Por sob essa fachada moderna, porém, a arquitetura da cidade reflete as severas normas da vertente wahhabita do islamismo, dominante na Arábia Saudita. Os parques públicos, espaços em que homens e mulheres poderiam conviver, são escassos; os restaurantes têm áreas separadas para homens e mulheres; os bancos têm portas separadas; e cinemas são proibidos. Muitas janelas são cobertas por versões modernas das mashrabiyas, tradicionais cortinas de madeira ou metal decorado, para garantir a privacidade dos moradores.
Homens e mulheres evitam tomar elevadores juntos. Os espaços públicos mais abertos são os saguões dos hotéis, nos quais as mulheres às vezes exibem seus rostos.

DISTRITO FINANCEIRO
Em visita recente, as estruturas de aço das primeiras torres do distrito financeiro estavam visíveis na periferia da cidade.
Segundo o governo, a área será o centro financeiro do Oriente Médio, e o projeto combina elementos de Wall Street, do bairro parisiense de La Défense, em uma espécie de parque temático financeiro genérico.
O coração do projeto é a Financial Plaza, um espaço estéril de pedra calcária circundado por uma Bolsa de valores e várias torres bancárias -uma das mais altas chamará World Trade Center.
Esse núcleo será cercado por outras torres empresariais, quase 50 no total, que ficarão posicionadas em ângulos irregulares com relação umas às outras e se erguerão de uma base de varejo de dois andares de altura e conectada por passarelas.
Um monotrilho percorrerá todo o complexo, com pontos de parada em um museu infantil, um centro de exposição científica e no primeiro aquário do país, três componentes do projeto.
Ainda mais notável é que as instruções para o projeto nada dizem sobre a separação entre os sexos. Mas a integração cessa assim que o distrito acaba. Ele está cercado de vias expressas, que o isola com rios de tráfego.
Muitas das ruas tortuosas criadas pelo wadi (rio sazonal) terminam em becos sem saída, o que agrava a sensação de desconexão entre o espaço financeiro e a grade viária de Riad.
O isolamento do local impedirá que essa visão de modernidade mantenha contato próximo com a sociedade estritamente vigiada de Riad, pelo menos em curto prazo. Quando o projeto estiver concluído, em 2012, o distrito financeiro será como um mundo à parte.
Ao longo da próxima década, à medida que a cidade crescer em torno dele e o país continuar a se modernizar, pode surgir integração mais estreita.

Tradução de PAULO MIGLIACCI.


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