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Natal paraguaio
Com real forte, agências e donos de ônibus clandestinos estimam em 30% aumento de viagens de sacoleiros; Receita amplia fiscalização
Fotos Marlene Bergamo/Folhapress
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Sacoleiros carregam pacotes em rua de Ciudad del Este, zona franca paraguaia que faz fronteira com Foz do Iguaçu
LAURA CAPRIGLIONE
MARLENE BERGAMO
ENVIADAS ESPECIAIS A CIUDAD DEL ESTE
Duas quadras separam a
rua 25 de Março, o mais tradicional ponto de venda de
mercadorias piratas de São
Paulo, da esquina das ruas
Barão de Duprat e Miguel
Carlos. É lá, rodoviária imaginária, que 150 homens e mulheres esperam, sentados no
chão da calçada imunda, por
três ônibus clandestinos que
os levarão para Foz do Iguaçu (a 1.070 km de distância),
fronteira com o Paraguai.
Ninguém carrega malas.
Só bolsas com o essencial:
pente, escova de dentes, celular, pacote de bolachas para aguentar as 14 horas de
viagem e um calmantezinho,
que ninguém é de ferro.
Se tudo der certo (isto é, a
Polícia Federal deixar), a turma voltará cheia de pacotes.
São os sacoleiros do Paraguai, mas pode chamar de
"muambeiros" -eles não se
ofendem. A categoria murcha em época de dólar caro e
viceja quando a moeda americana despenca de preço,
como agora. Na sexta-feira, o
dólar fechou a R$ 1,728.
Donos de ônibus clandestinos e agências de viagem
que operam a rota do descaminho paraguaio estimam
em 30% o crescimento das
viagens de bate-e-volta de
Foz do Iguaçu-Ciudad del Este (na fronteira), do ano passado para cá.
A loira tingida Marcia vai
duas vezes por semana, às
terças e sextas-feiras. Especializou-se em cremes Victoria's Secret, que compra por
US$ 9 (R$ 15,55) e vende por
R$ 50. O japonês Ronaldo vai
três vezes por semana. Sua
área são os artigos para cabeleireiros -chapinhas e secadores, entre os principais,
margem de lucro de 40%.
Com cara de baterista heavy
metal, o quase obeso André,
de bermudas, focalizou o
mercado das bandas de garagem. Vai ao Paraguai em
busca de microfones profissionais, lucro de 110%.
A reportagem da Folha se
apresenta como iniciante na
atividade. Há outros neófitos
no ônibus -vão prospectar
seus próprios mercados.
Matheus, cara de moleque, boné do São Paulo, especializado em acessórios
para Playstation, sugere:
"Para quem está começando,
o melhor é ir de cobertor".
"Cobertor, no verão?",
pergunta a reportagem. "Cobertor é um sucesso. Todo
mundo quer um desses chineses. São superlevinhos e
esquentam muito, além de
serem decorativos", diz ele.
Compra-se o de casal por
US$ 25 (R$ 43) e vende-se no
Brasil por R$ 150 -lucro de
R$ 107 por unidade, 248% sobre o capital investido.
Na noite da última terça-feira, uma blitz da Receita Federal na Galeria Pajé (templo
da pirataria na rua 25 de Março) atrasa toda a programação dos viajantes.
Com medo de serem flagrados pelos agentes federais, motoristas e ônibus
clandestinos desaparecem.
Materializam-se às 20h58,
três horas depois do combinado. Em cinco minutos, todos os passageiros estão acomodados, sem overbooking
-e olha que as passagens
nem sequer são emitidas; é
tudo combinado e organizado por uma mulher fortona,
prancheta debaixo do braço.
Os clandestinos custam a
partir de R$ 60 para ir ou voltar. Essa é a tarifa paga pelos
passageiros experientes. Marinheiros de primeira viagem
pagam tarifa maior: R$ 100.
Os ônibus de linha são, é claro, mais caros -R$ 114,50
por trecho.
CORRERIA
Por causa do atraso, não
haverá nenhuma parada no
meio do caminho. O objetivo
é chegar ao destino antes das
11h do dia seguinte, fazer as
compras o mais rápido possível e pegar o ônibus de volta
às 18h. Uma correria.
Assim que a viagem começa, a especialista em Victoria's Secret, aparentando 45
anos, logo se anima com o
garotão Marçal, 20 e poucos,
fixado em amplificadores automotivos. Os dois trocam sonoros beijos durante a viagem, interrompidos apenas
pelos sobressaltos com a presença dos trailers da Receita
Federal, pelo caminho.
"Oba, está fechado", comemora a família adventista
ao ver o trailer desativado,
parado em um posto da Polícia Rodoviária.
"Vai nessa. Amanhã, na
volta, o "barracão" estará
aberto", afirma o experiente
"passador" de produtos para
cabeleireiros.
FISCALIZAÇÃO
A Receita Federal apreendeu neste ano US$ 96 milhões (R$ 166 milhões) em
mercadorias irregulares do
Paraguai. O total é 29,4% superior ao do mesmo período
do ano passado.
Também fez 38,58% mais
operações de fiscalização,
passando de 1.068 operações
no primeiro semestre de
2009 para 1.480 em igual período de 2010.
Em números absolutos, a
repressão pareceu avançar.
Mas a sonegação fiscal avançou em igual proporção, conforme indica o aumento no
número de viagens de
muambeiros.
"O resultado é que a Receita está apenas correndo atrás
do prejuízo", diz um funcionário do posto aduaneiro localizado bem em cima da
ponte sobre o rio Paraná,
fronteira Brasil-Paraguai.
Para despistar a fiscalização, os muambeiros ficam
em um vai-e-vém insano sobre a ponte. Compram a mercadoria no Paraguai, desembalam-na (para reduzir o tamanho) e atravessam-na para o lado brasileiro.
Guardam em um dos mais
de cem guarda-volumes de
Foz, e voltam para mais compras -evitam, assim, chamar a atenção dos funcionários da aduana.
Já do lado brasileiro, a
preocupação é evitar os homens da Receita. Se encontrarem bagagem não declarada, de valor superior a US$
300 (o limite para compras
que passam pela fronteira
terrestre), é apreensão certa.
A fiscalização pode acontecer em qualquer ponto da
viagem. Atravessadores experientes apelam para batedores: de moto ou em carros,
eles vão na frente dos ônibus.
Deparando-se com trailers
da Receita Federal e com fiscais em ação, os batedores telefonam para os celulares de
quem os contratou e avisam:
"Desce que sujou!"
Às 23h50 de quinta-feira,
ônibus lotado fazendo a viagem de volta, homens da Polícia Federal instalados no
posto da Polícia Rodoviária
de Peabiru (334 km de Foz)
mandam parar. No porta-malas, descobrem um carregamento de perfumes sem nota
fiscal e nem pagamento de
imposto. É PT, "perda total".
Gisele, dona da muamba,
chora e reclama que não a
avisaram da blitz. Ela termina a viagem a bordo de um
Lexotan. Os outros passageiros fingem dormir.
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