São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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cultura

Tempos híbridos

Dez personalidades indicam as idéias, as bandas
e os artistas mais quentes da atualidade

por SILAS MARTÍ

Para apontar as idéias, as bandas e os artistas mais relevantes da atualidade, a Folha ouviu dez personalidades da cultura brasileira. A maioria cita o hibridismo e a convergência entre os estilos e mídias como fenômenos decisivos da época atual (leia nesta pág. e nas seguintes).

"Eu acho que hoje existem muito mais trocas entre todas as coisas. Até as criancinhas juntam o melhor de cada pedaço para fazer o próprio estilo", diz Luiza Sá, guitarrista do Cansei de Ser Sexy (CSS).

Para Luiza, os gêneros musicais estão se misturando para criar uma sinfonia variada e sedutora. O electro invade o break beat, o folk contamina o country, e as baladas deixam mais açucarada a eletrônica. As misturas chegam também às pistas, como no tecktonik, que já ganhou as ruas de Paris. "É uma mistura de vogue com break dance", conta o consultor de tendências Rony Rodrigues.

De Baltimore, nos Estados Unidos, o coletivo Wham City, reúne artistas, bandas e designers. "Dan Deacon e Videohippos são as melhores bandas que saíram dessa turma. Eles tocam no meio da platéia, que dança histericamente", descreve o artista plástico Maurício Ianês. A música também se mescla com as artes plásticas, como o metal de Stephen O'Malley que já entrou para um trabalho do artista plástico nova-iorquino Banks Violette.

Para a professora e artista plástica Giselle Beiguelman, a convergência entre tecnologia e moda é inevitável. Os celulares vão deixando de ser simples telefones para se tornarem objetos fashion de localização, enquanto o GPS (Global Positioning System) deve ser incorporado às roupas. "O GPS dá meu caminho inteiro na palma da minha mão, dentro do táxi, sem se preocupar com a rota. É uma referência espacial condizente com a contemporaneidade, que vai além da medida humana", diz a artista.

Medida essa que se torna cada vez mais dinâmica. Ângela Detanico, artista da dupla Detanico & Lain, conta que na última viagem que fez ao Japão percebeu que as LAN houses de lá viraram extensões da casa do cliente. "É possível comer, comprar roupa íntima, tomar banho, jogar videogame e até dormir. Acho que é porque as pessoas gastam cada vez mais tempo se deslocando de um lugar para outro", diz Detanico.

Na contramão disso tudo, algumas vozes apontam o hibridismo como fruto da incapacidade de criar novas linguagens artísticas. "Pela velocidade das coisas, aparentemente há muitas novidades rolando, mas não é verdade", diz Rafael Lain, marido e parceiro de Ângela. O artista enxerga a retomada da pintura e de temas básicos do design como um fenômeno conservador.

Para a crítica e curadora Lisette Lagnado, curadora da 27ª Bienal de São Paulo (2006), o debate mais relevante do momento é o legado do modernismo _nestes tempos pós- ou hipermodernos. "A redefinição do vocabulário modernista está em alta", diz ela, lembrando que o tema foi, inclusive, uma das discussões centrais da Documenta 12, a mais importante mostra de arte do mundo.

"Existe hoje uma reação contra certo terrorismo do modernismo", diz o professor de filosofia Vladimir Safatle. Como sintomas dessa reação, ele indica a volta do tonalismo na música erudita, do figurativo nas artes plásticas é a relação da arte "com domínios mais fetichizados da cultura, como moda, publicidade e quadrinhos". Para ele, o neoconservadorismo procura fazer a arte ser capaz de dialogar e absorver as formas do cotidiano. "Mas a arte não dialoga, ao contrário, ela obriga você a constituir uma nova língua, ela despreza a linguagem", afirma.

Para Safatle, existe hoje nas artes um "paradigma de segurança" que faz com que as pessoas usem linguagens cada vez mais previsíveis. "Da mesma maneira como você tem hoje a questão da sociedade de controle e o medo do terror, a arte se constitui como arte controlada, com uma demanda de segurança cada vez mais forte. Uma sociedade que vive com medo não pode suportar uma arte que seja aterrorizante, como foi a do modernismo", diz.

Luiza Sá
guitarrista do CSS (foto)

A tendência é ser plural e ser diferente. Parece que agora todo mundo faz campanha de moda também. A gente fez um vídeo para o Nick Knight, numa campanha da Yves Saint Laurent. Eu preciso dizer que, ao vivo, os melhores shows são do Yeah Yeah Yeahs, além do Bonde do Rolê. O novo disco da M.I.A. é um pulo enorme desde o primeiro álbum. Também acho que o Klaxons está bem trabalhado. Eles têm umas baladas universais, mas a música ainda é meio estranha."

Daniel Galera
escritor

"Estou lendo os argentinos Rodolfo Fogwill e César Aira. Acho que um conhecimento maior dos autores latino-americanos é uma tendência, começando pelo [chileno] Roberto Bolaño. Tenho percebido um momento interessante nos quadrinhos. Tem o Charles Burns com "Black Hole" e o Yoshihiro Tatsumi, que é sensacional. A consciência de videogames como forma de narrativa é algo que está se percebendo agora. O "Bioshock" me interessa muito. Adoraria fazer o roteiro de um game."

A cantora M.I.A., durante a gravação do seu videoclipe Boyz

Rony Rodrigues
consultor de tendências da Box 1824

"Algumas bandas para prestar atenção são o K-Os, que gravou "Born to Run", e o The Bird and the Bee, que fez um disco de mesmo nome com um vocalzinho de jazz meio anos 60, misturando rock eletrônico. Em termos de movimento, surgiu agora em Paris o tecktonic. É uma mistura de vogue com break dance. O lema é 'electro to jump'. Tem também o space disco, representado pelo Lindstrom, que toca no Tim Festival em novembro. O space disco tem batidas mais lentas, algumas coisas do funk e muito uso de teclado. Faz um sucesso absurdo na Europa."

Giselle Beiguelman
professora de semiótica e artista plástica (foto)

"Eu aposto no Rick Silva, que deve despontar com muita contundência. Ele tem um projeto chamado 'Satellite DJ', que usa imagens do Google Earth captadas ao vivo. O Rafael Marchetti trabalha com GPS, novos formatos de navegação espacial para o mundo da arte, mídias locativas. Vera Bighetti e Martha Gabriel desenvolvem projetos colaborativos mediados por internet e agenciados por comando de voz. Na moda, o celular deve se tornar nossa extensão. Cada vez mais vamos nos vestir não para matar, mas para nos conectar."

Ângela Detanico
da dupla Detanico & Lain (foto à esq.)

"Tem uma geração nova que está começando direto a fazer pintura, como na Alemanha e na Ucrânia. Existe uma tendência de volta à pintura, mas não é algo tão certo. Se você fizesse uma pergunta de tendências na época dos impressionistas, não seria o impressionismo a principal delas. Seriam aqueles retratos de ninfas. Hoje há uma convergência geral, talvez porque as pessoas gastam tanto tempo se deslocando de um lugar para outro."

Rafael Lain
da dupla artistas plásticos Detanico & Lain (foto à dir.)

"Grande parte dos designers está voltando para as bases. Pela velocidade das coisas, aparentemente tem muita novidade rolando, mas, na verdade, não tem. Temos a ilusão de uma aceleração que não é real. Existe uma demanda e existe um mercado para tudo, e falta mais senso crítico por parte das pessoas. Acho que agora a gente está numa época de rever o que já foi feito. É um movimento reacionário, uma volta ao passado."

Vladimir Safatle
professor de filosofia e crítico de música erudita (foto)

"Na filosofia, 'O Século', de Alain Badiou, é um livro que recomendo fortemente. Ele faz uma espécie de filosofia da história sobre o século 20. Me parece o livro adequado para um momento histórico como o nosso, no qual há uma tendência, que não se mascara mais, de retorno ao conservadorismo em suas formas mais arcaicas. Na música erudita há um retorno ao tonalismo, que já deveria ter sido ultrapassado, mas indicaria alguns compositores importantes do momento, John Adams, Thomas Ades e Norton Feldman."

Mauricio Ianês
artista plástico e diretor criativo da Zapping

"Na música, Dan Deacon e Videohippo são duas bandas do coletivo Wham City, de Baltimore, que reúne designers, artistas e músicos. Efterklang é uma banda dinamarquesa que faz composições inclassificáveis. Nas artes, o argentino radicado em São Paulo Nicolas Robbio faz um trabalho bastante delicado, mas com questões fortes. Eli Sudbrack é um brasileiro radicado em Nova York que cria imagens e instalações que remetem ao universo da Tropicália, de modo nada óbvio. Entre os filósofos, Slavoj Zizek faz uma crítica sociopolítica com referências ao universo pop."

Instalação da americana Mary Kelly na Documenta 12, na Alemanha

Lisette Lagnado
crítica de artes visuais, foi curadora da 27ª Bienal de São Paulo (foto)

"Indico a pós-marxista Chatal Mouffe, presente nos mais importantes simpósios internacionais, na qualidade de pensadora deste momento histórico. A redefinição do vocabulário modernista está em alta, tendo o artista Florian Pumhösl como figura de proa. A Documenta 12 reforça essas premissas. A voz da questão palestina encontrou em Emily Jacir e Ahlam Shibli duas expoentes de peso. Os artistas Diango Hernandez e a dupla Gusmão e Paiva também são dignos de nota."

Anna Butler
diretora artística da MTV

"Cueio Limão é uma banda brasileira, aposta da MTV. Eles fazem bastante sucesso no underground, nessa linha mais hardcore. Na música eletrônica, ainda é o momento do Cansei de Ser Sexy e do Bonde do Rolê. Outra coisa é neofolk. Tem o Vanguart, de Cuiabá, e outra banda muito nova, que se chama Dólar Furado. São mais do que neofolk. É um sertanejo à la Johnny Cash. Dentro da cena deles, Montage ainda tem seu espaço, e ainda vão surgir mais nomes, como Lucy and the Popsonics, de Brasília, e Cachorro Grande, que é uma banda underground para o grande público."

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