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Lugar comum
O inferno são os outros
Principalmente quando moram ao lado: veja quais são os fatores que mais provocam problemas entre vizinhos
por RENATA VALDEJÃO
Quem nunca se estranhou com o vizinho que atire a primeira pedra. Se até casas garantidas por algum vão livre e muros não estão isentas de aperreações mútuas, imagine os moradores de apartamentos, sujeitos à difícil combinação de convivência obrigatória, imóveis cada vez mais estreitos e paredes de espessura minguante, tudo isso quase sempre temperado por impaciência demais e civilidade de menos?
"Em prédio, você descasca uma cebola, e o vizinho chora", brinca José Roberto Graiche, presidente da Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condo-mínios de São Paulo).
Entrevistados pelo Datafolha, 148 paulistanos que moram em apartamentos elegeram as principais fontes de discórdia de seus condomínios (veja quadro ao lado e na página seguinte). O barulho fora do horário permitido aparece primeiro, seguido por valor do condomínio, vagas na garagem e despesas extras.
A questão do barulho é elementar, segundo Graiche. Devido à racionalização de custos imposta aos imóveis, o isolamento acústico dos projetos modernos ficou comprometido. "As construtoras fazem as contas na ponta do lápis; por isso, as lajes estão mais estreitas, e as paredes, mais finas, às vezes, feitas de 'drywall [gesso acartonado].'"
Mas o problema mais dramático, na opinião do presidente da Aabic, são as vagas na garagem. O motivo também tem gênese financeira: "Quanto mais vagas no estacionamento, mais valorizado é o apartamento. As construtoras, então, fazem o maior número de vagas possível para valorizar os imóveis, com cada vez menos espaço".
Some a grande quantidade de colunas existentes nas garagens, devido à profusão de andares dos edifícios, e a inabilidade para fazer baliza de alguns condôminos, e a bagunça está formada.
Construído em um terreno pequeno da Bela Vista, o residencial Evolution Home, 120 apartamentos de um e dois dormitórios e 121 vagas, resolveu sair pela tangente e terceirizar a dor de cabeça. Com o objetivo de driblar vagas cuja disposição bloqueiam o acesso a outras, o condomínio contratou a Maxipark para administrar o entra-e-sai de veículos. É só chegar e entregar as chaves ao manobrista.
"A empresa tem seguro e assume toda a responsabilidade sobre eventuais avarias, furtos e a guarda das chaves", conta Luis Mutuano, síndico e morador. "Alguns condôminos não gostam, preferem estacionar eles mesmos. Outros elogiam a atenção que recebem e o fato de não precisarem manobrar."
Não é para menos: quando o carro chega, o manobrista chama o elevador e até ajuda a descarregar as compras. Quando o morador avisa com antecedência que vai sair, encontra o carro a postos. E o valor do condomínio, R$ 350, não é superior à média cobrada no mercado.
Quem tem mais de um carro, caso de Mutuano e sua mulher, aluga o "direito de estacionar" de um vizinho não motorizado. "Certa vez foi sugerido em uma reunião de condomínio que alugássemos eventuais espaços ociosos para pessoas de fora, a fim de gerar receita. Descartamos, por segurança", diz o síndico.
De acordo com Carlindo Macedo, diretor de desenvolvimento de negócios da rede de estacionamentos Maxipark, a procura por terceirização em prédios residenciais ainda é pequena, mas vem crescendo. "Com um manobrista, é possível promover a rotatividade das vagas e otimizar o espaço da garagem", defende.
Além disso, explica ele, a ociosidade pode ser explorada. "Dá para oferecer vagas para visitantes e até alugar a moradores de outros prédios, gerando receita; o condomínio decide o seu modelo."
Vai vizinho, vai
Um dos maiores sucessos da internet, a música "Vai tomar no cu", intepretada pela atriz de TV e teatro Cris Nicolotti, foi inspirada por um vizinho que reclamou de barulho. Uma noite, há quatro anos, ela e o marido estavam na varanda de seu apartamento, com um casal de amigos. Tocavam bossa nova no violão quando um vizinho reclamou.
"Não estávamos fazendo grande barulho, é que esse vi-zinho é chato, mesmo; se não houver problema, ele cria um", acha a atriz. Como não deram atenção, o vizinho rabugento bateu a janela e gritou o palavrão, que foi transformado em letra de música.
"Há pessoas que não nasceram para viver em comunidade, alimentam-se de picuinhas", analisa Cris. "Mas o prédio em que eu moro é muito tranqüilo, nunca mais aconteceu nada."
Além de receber 40 milhões de visitas no Youtube, a música acabou incorporada ao espetáculo "Se piorar, estraga", monólogo no qual a atriz atua e canta. A peça estréia em janeiro no Rio de Janeiro e volta a São Paulo em março, rebatizada de "Vai, vai, vai, vai".
Gravada em várias línguas, a canção está à venda no UOL. "Você pode adaptar a letra para várias situações: com o chefe, com o governo. Mas muita gente sofre, mesmo, é com os vizinhos. Na maior parte, por falta de bom senso", diz Cris.
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