São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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Convivência

Cabe + 1?

A relação do casal engrena, vem a vontade de ficar junto... Na minha casa ou na sua? Se o imóvel em questão for do tipo enxuto, pode rolar um certo aperto, tanto físico quanto emocional

por ROSANA FARIA DE FREITAS

Um quarto-e-sala básico, numa planta inteligente e bem dividida de 45 m2, não é assim tão pequeno para o test-drive de um casal sem filhos, certo? Errado, quando a recém-casada em questão é assim meio Imelda Marcos, a ex-primeira dama das Filipinas que, em seus tempos áureos, chegou a acumular mais de 3.000 sapatos. Tudo bem que a psicóloga Maria Eugênia de Mathis, 29, é mais contida, mas seus 70 pares fizeram diferença na hora de juntar os trapinhos com o engenheiro Daniel Domingues, 27.

Há exatamente um ano, ele se aboletou, de mala e cuia, no apartamento em que ela morava sozinha havia dois anos e meio -tempo mais do que suficiente para qualquer um se espalhar pela casa. Mudança consumada, eles vêm admi-nistrando estresses. "Numa boa", fazem questão de ressaltar. O primeiro foi a tal sapataria particular da moça, que, depois de muitos acordos, continuou intacta, mas acondicionada numa bem-aventurada sapateira.

"A sala era ampla, e eu queria um escritório. Criei uma parede com um móvel de madeira que era sapateira de um lado e, do outro, escrivaninha, gaveteiro e estante. Eu mesma projetei, porque acalentava o sonho de ter um local para guardar meus chinelos, minhas sandálias, botas, enfim...", suspira Maria Eugênia. Como não abriu mão nem de meia prateleirinha, os sapatos de Daniel foram morar, veja sí, num canto do rack de som da sala. Em exíguos 45 m2, vale tudo.

O casal também teve que providenciar outro armário no quarto. "O meu ocupava quase uma parede inteira, mas não consegui me espremer o suficiente para acomodar as coisas dele. Então fizemos em frente um móvel em 'L', aproveitando a área sob a janela." Ele ganhou ainda uma prateleira e uma gaveta no gabinete do banheiro, e o casal alugou mais uma vaga na garagem. Tudo certo, então? Agora sim, mas no começo foi difícil.

"Além de viver com uma vassourinha, limpando e arrumando tudo, eu me sentia um pouco invadida. Às vezes, tinha vontade de trancá-lo na varanda... Hoje, estou mais relaxada." Daniel, 100% zen, tirou de letra. "Mulher tem essa coisa de fases, e ela de vez em quando estressava mesmo. Eu ficava na minha e esperava passar." Lição de sabedoria.

Um certo atravanco até que é normal na fase inicial. Mas o arquiteto Marco Donini, que lida com essa problemática do outro lado, o do profissional que é consultado para trazer soluções, acha que quanto maior, melhor. É que um dia ele já foi "cliente", vivenciou e diz ter saudade do que qualifica comoe "seqüestro de espaço mais doce do mundo". A decisão de morar junto, acredita, implica essas saias justas ine-vitáveis, mas nem por isso, desagradáveis.

"A cama fica menor, e tem coisa melhor? O silêncio pode sumir, porém, que bom ouvir... A cozinha vira um caos e os dois se trombam... e é nessa hora que a pimenta surge...", romantiza. Categórico, afirma que esses problemas só viram conflitos de fato tempos depois, quando o mar de rosas mostra seus espinhos. "Aí, é bom ter dado tempo de projetar uma casa maior. Até lá, tem mais é que aproveitar esse aperto delicioso."

Em termos práticos, ele tem algumas dicas para facilitar o compartilhamento. Projetar a cama de forma que se possa levantá-la e embuti-la na parede, formando um painel -o que permite que, em dias de pressa ou preguiça, ela seja içada mesmo desarrumada; desenhar uma cama que vire mesa de centro e gaveteiro; separar a cozinha da sala com uma lona rolô; acomodar frascos atrás de um espelho de correr sobre a pia.

Mas mesmo essas dicas não eliminam a necessidade de um certo "descarrego". "Nada mais simbólico do que iniciar uma relação jogando algumas coisas fora. Sinal de desprendimento do passado. Um casaco velho abre espaço para várias camisas. Casamento novo é assim, uma excelente oportunidade para dispensar um monte de tranqueira, inclusive de dentro da gente."

O conselho é válido, mas há coisas que simplesmente não dá para descartar. Daí o aperto literal na hora de juntar a história de uns e outros. Foi o que aconteceu com a psicóloga Mariel Zasso, 25, quando o namorado decidiu se aquartelar com ela num apartamento de 90 m2, sala e dois quartos. Nesse caso, porém, a "culpa" do aperto foi toda dele. O problema é que o moço é crítico especializado em música erudita e vivia imerso em cerca de 4.000 CDs, 400 DVDs, 800 livros e 300 partituras.

Claro que parte disso teve que permanecer na casa dos pais dele. O acervo tem vindo em doses homeopáticas, à medida que prateleiras e estantes são instaladas aqui e ali. A transfe-rência da biblioteca, que é a pior parte, está em curso. O piano Essenfelder (sem cauda, benza-Deus!) teve que ser acomodado no segundo quarto, que virou escritório/estúdio/sala de música.

A sala ganhou um armário antigo comprado no Bexiga (zona central), cheio de prateleiras, sob medida para guardar os livros. Uma espécie de recuo na parede, opção decorativa do antigo inquilino, se transmudou numa prática estante para CDs e DVDs. A cozinha, paixão dela, foi incrementada com armários que organizam os artefatos indispensáveis a toda gourmet que se preze. "Foi o espaço que sobrou para mim. Ele tem muitas coisas e fui indo para o canto e me encolhendo, mas sem drama. O importante é que, mesmo num imóvel pequeno, haja um 'lugar para ficar de mal'. Aqui temos, dá para cada um se isolar quando sente necessidade", diz Mariel.

Além da urgência de privacidade, há outra questão espi-nhosa: o perigo de quem já morava acreditar que a casa é "dele". "Tem que tomar cuidado, pois não há estante ou armário capaz de resolver esse tipo de impasse", ressalta Vânia Duarte Garcia, decoradora de interiores. Suas dicas para aproveitar e ampliar os espaços: colocar duas bandejas na bancada da pia do banheiro, dividindo os objetos dele e dela; espalhar caixas organizadoras pela casa (embaixo de estantes, armários, bancadas); improvisar cestas e caixas de vime ou de plástico coloridas para acomodar bugigangas.

Imóveis com um pé direito superior a 2,60 m podem permetir a utilização do espaço superior. Construir um maleiro no forro, por exemplo. Ou até um mezanino, solução perfeita para quem precisa de um cômodo a mais; esse segundo andar facilmente se transforma em quarto de hóspedes, escritório, biblioteca...

Quando essa possibilidade não existe, o jeito é se virar com soluções mais simples. O sonho de ter uma cama maior foi adiado pelo casal Renata Oliveira Maitino, 45, fisioterapeuta e acupunturista, e Roberto Debouch, 54, produtor de eventos. Ele é que trouxe a escova de dentes para o apê de 90 m2 dela, dois quartos, um reversível, no Itaim. "Precisávamos de um local para as coisas dele, então a cama do tipo turca, apenas um colchão sobre um estrado, para economizar espaço, ficou espremida no meio, um armário de cada lado", explica ela.

Mesinha de cabeceira nesse caso seria luxo. No lugar dela, um armariozinho comprido e fino do tipo inglês, suspenso, para acondicionar relógio, abajour, telefone. Mais prático que isso só o cabideiro encostado num dos cantos e abarrotado de bolsas, guarda-chuva, casacos, roupas -se o dito-cujo cair, parece que despenca metade da casa. "Está vendo ali? Ainda não consegui pensar em algo para guardar os sapatos dele, ficam assim encostados embaixo da janela..."

Na sala, valeu o optar-e-descartar: saíram os móveis dela, entraram os dele, mais bonitos e estilosos. O quarto reversível virou escritório dos três -o casal e a filha dela de outro casamento-, com direito a um armário antigo fazendo as vezes de roupeiro. "O mais complicado foi partilhar o ba-nheiro, mas acabamos não mudando nada nele, só colocamos mais toalheiros", diz Renata. Sobre esse assunto, a arquiteta Sandra Piccioto (SP) receita uma alternativa básica que faz sucesso: um armário fino atrás do espelho. 'É simples e funciona muito bem para receber produtos de beleza e higiene, sem mexer na estética e tampouco diminuir o espaço."

Como se pode ver, disposição, criatividade e, principalmente, bom humor são ingredientes que ajudam bastante nessa hora. Porque, como diz Marco Donini, não há nada melhor para ensinar a morar juntos do que casar. Não se iluda com o "namoro em casa", aquela fase que inclui escova de dentes e uma ou outra peça de roupa para garantir as noites eventuais. Isso é só acampamento.

Dicas para ajudar na comunhão de espaços

• Em imóveis pequenos, a integração de ambientes faz com que poucos metros quadrados rendam muito mais. Vale diminuir o número de paredes e conectar espaços
• Outra opção é instalar divisórias mais estreitas: enquanto uma parede de tijolos ocupa, em média 15 cm, dá para improvisar divisões de 5 cm. Painéis e espelhos também funcionam bem para separar ambientes
• Espaços múltiplos são um bom recurso, principalmente se for concebido com o mobiliário adequado para que, de fato, tenha várias utilidades: escritório, dormitório, sala de TV, quarto para hóspedes
• Adquira móveis versáteis. Baús e pufes pequenos e resistentes acondicionam as tralhas, fazem as vezes de mesinha e assento reserva. Ou cadeiras empilháveis e mesas desmontáveis, que podem ser usadas apenas quando necessário
• O aparador pode ter um amplo espaço embaixo para guardar copos, pratos, louças em geral. E gavetões sob a cama são bem úteis
• Pequenos espaços devem ser decorados com poucas coisas. Ambiente entulhado parece menor
• Portas de correr viabilizam armários antes impossíveis
• Móveis suspensos, fixos na parede ou presos no teto, são um achado e ainda conferem um ar moderno
• No lugar das cortinas, use persianas, que ocupam pouco espaço visual. Outra opção são tecidos finos e etéreos (tipo voil) fixados em fios e bastões de aço
• O imóvel tem dependência de empregada? Ótimo para virar mais um quarto, escritório, sala de TV

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