São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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De quina

Cidade soterrada

por LÚCIA CARVALHO

Vai começar a temporada de Papai Noel, esse inferno em terra que se transforma a cidade de São Paulo no Natal. E, junto com a época, elas.
As malditas miniluzinhas.

Um amigo me contou que iria comprar um monte delas.
- Vou à Santa Efigênia - ele explicou.- É bem mais barato.
- Afe, que horror, desabafei. Vai mesmo emperiquitar toda a sua casa?
- Você não gosta, Lúcia? - ele indagou, como se eu fosse um ET. - Nossa, como alguém pode não gostar de luzinhas de Natal?

Não é bem isso. Eu gosto. A minha árvore de natal da sala tem, e confesso que uma vez até já colocamos as tais miniluzinhas na árvore em frente da nossa casa. Naquele ano minha família se empolgou com a nova moda, compramos um monte, era pouco, compramos mais, era pouco ainda -a quantidade necessária para embrulhar uma árvore é gigantesca!- e demos tratos à bola. Como não somos profissionais, a montagem saiu um pouquinho capenga: as luzes um tanto tortas, uns galhos vazios, fios emendados entrando em casa. O resultado ficou meio mixuruco perto das outras da rua, mas conseguimos vestir a nossa árvore de luzes, como todos.

Porém de uns anos pra cá a coisa foi aumentando e tudo, casas, prédios, lojas, empresas, shoppings e escritórios de todas as ruas, avenidas, praças e alamedas da cidade entopem suas fachadas de luzes, sem critério urbano nenhum.

Esse monte de miniluzinhas está tomando proporções assustadoras aqui em São Paulo. Para mim, a cidade à noite parece um pesadelo. Não sei mais onde estou e o que estou vendo. Não é que é feio. É exagerado.

Essas luzes mudam o desenho dos prédios, e a cidade que se vê à noite não é a mesma que se vê de dia. Edifícios e casas têm projetos característicos, relações específicas e únicas com o espaço urbano ao redor. Existe o desenho da cidade. À luz do dia, é possível perceber em cada edificação sua arquitetura, suas transparências, reentrâncias, seus vazios, detalhes, cores.

Mas chegam as noites e os prédios desaparecem, para surgir novas imagens. Árvores de Natal. Guirlandas. Neve caindo. Trenós e renas. Papais Noéis se sentam sobre os prédios. Tudo piscando sem parar, sem parar, sem parar. O furor das lampadinhas apaga todo o espaço urbano, criando outros ambientes, virtuais, esquisitos, não projetados. Cenários sem muita explicação. Cadê a arquitetura da cidade, gente? Cadê tudo que foi desenhado?

Uma saída para isso? Já que acabar com o Natal é impossível, uma solução que me pareceu adequada é propor aos arquitetos que comecem a projetar prédios já com luzinhas... embutidas. Acho que não seria complicado prever, em projeto, uma iluminação específica para essa época do ano. Assim, se o autor do projeto achar adequado, pelo menos a árvore de Natal certa surgirá na fachada, as janelas certas serão emolduradas por luzes, e o Papai Noel só aparecerá se o arquiteto achar que ele pode se sentar na cobertura. Ora, eu acredito em projeto, afinal, vivo disso. Acho que isso vale uma campanha.

Outra solução, mais imediata? Kassab, vamos lá. Se outdoor e propaganda não pode, entupir de miniluzinha pode?

LÚCIA CARVALHO é arquiteta e autora do blog Frankamente.. http://frankamente.blogspot.com.

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