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Clóvis Rossi

A China, o basquete e a economia

Se o país transitar para a democracia, o "milagre chinês" perderá seu brilho?

Patrícia Campos Mello relatou terça-feira, nesta Folha, os resultados de uma nova invenção de Jim O'Neill, o esperto criador da sigla Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e, agora, África do Sul, cuja incorporação O'Neill contesta).

Trata-se do Índice de Condições de Crescimento, segundo o qual o Brasil é o primeiro colocado entre os Brics.

Razões principais: ganha em estabilidade política e educação e é menos corrupto. Nestes dois últimos quesitos, o placar é mais uma esculhambação aos outros Brics do que um elogio ao Brasil, sabidamente pouco competitivo em educação e prenhe de corrupção.

Na sua coluna de ontem na Folha, Vinicius Torres Freire elencou vários pontos em que o Brasil perde para a China, pelo que vou me limitar ao item estabilidade política, no qual tendo a concordar com O'Neill.

O Brasil é uma democracia consolidada, ao passo que a China é uma ditadura. A transição da ditadura para a democracia costuma ser complicada, até que as instituições estejam de pé e funcionando.

Basta citar um exemplo recentíssimo: a Apple anunciou ter delegado uma investigação das condições de trabalho em seus fornecedores chineses à "Fair Labor Association", associação internacional de defesa dos direitos dos trabalhadores.

O objetivo é interrogar, diz nota da Apple, "milhares de empregados sobre suas condições de vida e de trabalho, incluídas aí a saúde, a segurança, a remuneração, as horas de trabalho e a comunicação com a direção".

É razoável supor que, se a coisa for para valer, a investigação levará a Apple a exigir condições civilizadas de trabalho, o que, em tese, minará a competitividade do "made in China", parcialmente apoiada na exploração da mão de obra, que usualmente é exacerbada em ditaduras, capitalistas ou comunistas indistintamente.

Se essa lógica estiver correta, a pergunta seguinte inescapável é esta: a China está de fato condenada a transitar do autoritarismo para a democracia ou pode permanecer indefinidamente nessa situação de economia de mercado (ou quase isso) com ditadura?

Não tenho a resposta nem creio que alguém tenha. Mas há um microcaso que, em princípio, indica a inviabilidade de manter a censura, peça essencial de uma ditadura, quando o país se globaliza mais e mais. O "Financial Times" relatou ontem a tentativa do governo chinês de, digamos, esconder Jeremy Lin, astro de basquete do New York Knicks, porque ele é de ascendência taiwanesa e um cristão devoto.

Conta que a estatal CCTV, ao informar sobre a indicação de Lin como "jogador da semana" da NBA, na segunda-feira, omitiu um pedaço da fala de um fã nova-iorquino, que disse, em inglês: "Adoro o fato de que ele louvou seu time e Deus". A legenda, em chinês, cortou "Deus".

Essa manipulação dos fatos, à moda soviética, é agora muito mais complicada: passam de um milhão os seguidores de Lin no Weibo, a versão chinesa do Twitter. Mais cedo que tarde sabendo de tudo, inclusive do que a TV estatal esconde.

Parece claro que a história da ascensão da China ainda não está escrita nas estrelas com todas as letras.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Moisés Naím

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