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Entrevista José Manuel García-Margallo

O passageiro da 1ª classe vai junto se o Titanic afundar

Chanceler espanhol diz que juros da dívida são insustentáveis e que prefere não imaginar saída da grécia da zona do euro

ÁLVARO FAGUNDES
DE SÃO PAULO

Quinta maior economia europeia, mas em recessão e dona do mais alto desemprego da zona do euro (24%), a Espanha enfrenta duras reformas adotadas pela gestão Mariano Rajoy, que ainda não se refletiram no mercado.

A Bolsa de Madri é a que mais perdeu no mundo neste ano, e os juros da dívida espanhola estão em alta.

Para o chanceler José Manuel García-Margallo, os efeitos só serão sentidos a partir de 2013, isso se o cenário europeu melhorar, cobrando sacrifícios de todos os sócios.

Diz que os juros cobrados são insustáveis e compara a situação europeia ao Titanic, em que, se o navio afundar, os passageiros da primeira classe -ou seja, a Alemanha- também vão junto.

A seguir, trechos da entrevista com o ministro espanhol feita em São Paulo, onde esteve na última passada.

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Folha - Desde a estatização do Bankia, dia 11, a Bolsa de Madri caiu mais de 6% e os investidores exigem juros maiores para comprar títulos espanhóis. O mercado não tem mais confiança na Espanha?

José Manuel García-Margallo - O novo governo herdou, além dos efeitos gerais da crise, uma dívida que aumentou nos últimos anos, investimentos em setores não produtivos, especificamente no mercado imobiliário, e uma perda progressiva de competitividade.

O governo teve que fazer uma intervenção quase cirúrgica, uma consolidação fiscal extremamente dura, uma importante reforma trabalhista e uma reforma do sistema financeiro para recuperar essa confiança na economia.

O que acontece é que essa grave doença está no auge do tratamento. É um tratamento especificamente para melhorar a confiança.

A reação dos mercados não demonstra muita confiança.

Os mercados sempre reagem a curto prazo. Quando essas medidas produzirem efeito, os mercados reagirão.

E quando começaremos a ver sinais de melhora?

Isso depende de alguns fatores que dependem do governo espanhol e de outros que não. Fizemos tudo o que nos foi pedido por nossos sócios; o problema é que é preciso melhorar também o contexto e o entorno europeus.

A austeridade fiscal é essencial. Não pode haver crescimento sustentável baseado em um clima de indisciplina macroeconômica, é construir sobre a areia.

É preciso também estabilizar os mercados, garantir a sustentabilidade da dívida pública, de forma que os juros não afoguem os países que estão fazendo sacrifícios.

Em terceiro lugar, medidas de crescimento.

Se o contexto internacional caminhar para esses três pontos e a reforma espanhola prosseguir, eu espero que a tendência mude a partir do início do ano que vem.

A Espanha seria mais Alemanha ou França -mais austeridade ou mais crescimento?

A Espanha está do lado espanhol. Não concordamos com o presidente francês, François Hollande, na mudança do pacto fiscal, mas estamos de acordo que precisamos tomar outras medidas. Não é possível que, em uma união monetária, um país pague juros negativos e outro, mais de 20%.

É preciso estabilizar os mercados de dívida soberana e tomar medidas para o crescimento.

A Alemanha, que é o país com melhores números, escapou da recessão por pouco. Metade das exportações alemãs vai para a UE. Isso é como o Titanic. Se ele afunda, os passageiros da primeira classe também vão junto.

O país está preparado para o euro sem a Grécia?

A saída do euro é um cenário não previsto nos tratados. Ninguém sabe o que pode ocorrer se essa for a decisão da Grécia. Por isso, é algo que todos devemos impedir.

Para os gregos, seria a condenação de toda uma geração à pobreza. Para os demais [seria uma condenação], porque os efeitos são desconhecidos. É um cenário tão dantesco que prefiro não imaginar.

Por quanto tempo a Espanha pode pagar juros no patamar atual, acima de 6%?

Estamos como Cristóvão Colombo quando descobriu a América: navegando por mares em que não há carta.

Vimos que a Grécia teve um tempo. Se pensarmos que o Orçamento espanhol tem de destinar uma quantia enorme para o pagamento de juros e para a ajuda aos desempregados, a situação é muito difícil de continuar.

Os credores precisam entender que, nessas condições, o sacrifício do devedor é importante, mas o do credor pode vir a ser também.

As reformas do governo espanhol chegaram ao fim?

O presidente [premiê] Mariano Rajoy já disse que todas as sextas haverá uma reforma. Precisamos de reformas de curto prazo, para garantir o financiamento; e estruturais de longo prazo, para garantir a competitividade.

Estamos tendo de fornecer água e trocar o encanamento ao mesmo tempo.

Mais da metade dos jovens espanhóis não tem emprego. Temos uma geração perdida?

Por sorte, os trabalhadores espanhóis, em termos de educação, são altamente qualificados. É verdade que essa falta de oportunidade pode enferrujá-los, mas isso é algo simples de solucionar.

O caminho dos espanhóis passa por não ficar na Espanha?

Esse é o futuro dos espanhóis, dos brasileiros e dos luxemburgueses em uma economia globalizada. Eles têm de ficar na Espanha, mas também têm de aproveitar oportunidades fora.

E como fica o cenário de investimento na América Latina, depois da decisão argentina de expropriar a YPF?

Eu acredito que a decisão argentina não é a melhor campanha publicitária para atrair investimento. Quando se tomam medidas como essa, as pessoas vão pensar duas vezes antes de voltar a investir na Argentina.

Mas isso pode afetar investimentos na América Latina?

A mensagem do presidente Rajoy é que não se pode julgar toda uma região pelo comportamento de um país.

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