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Clóvis Rossi

A volta dos mortos-vivos

Recorrer a FHC e a Clinton agora só demonstra que o oportunismo ralo comanda o mundo da política

Há algo em comum entre o discurso do ex-presidente Bill Cliton na convenção democrata de Charlotte e a aparição do também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no programa eleitoral do candidato José Serra em São Paulo.

É a volta ao palco eleitoral de dois mortos-vivos (mortos-vivos, entenda-se, exclusivamente do ponto de vista de participação eleitoral), em cenas explícitas de oportunismo.

Clinton e sua obra são o que são desde que terminou seu mandato, em 2001. Até a convenção desta semana, no entanto, ficou no ostracismo no partido e na administração Obama.

Só foi lembrado agora porque a reeleição do presidente está complicada e tirar uma casquinha da elevada popularidade de Clinton torna-se uma necessidade aguda.

Em nenhum momento de sua campanha anterior ou mesmo de sua presidência, Obama usou Clinton como exemplo dos valores e da eficácia administrativa (suposta ou real) dos democratas.

Ah, não me venham, pelo amor de Deus, dizer que Obama recorreu ao sobrenome Clinton para governar, ao chamar Hillary para a Secretaria de Estado.

Hillary tem luz própria (sempre teve) e não pode ser tratada como apêndice do marido, ao contrário do que acontece geralmente no Brasil, em que uma figura pública ampara-se no fato de ser "mulher de" ou "filha de".

Hillary é como Marta Suplicy, para o bem e para o mal. O sobrenome vale pouco ou nada. O que conta é o prenome.

No Brasil, o oportunismo no caso Serra/FHC é ainda mais gritante. O ex-presidente foi condenado às catacumbas (eleitorais, entenda bem) desde a campanha de 2002.

O PSDB assumiu a tese de que FHC é impopular, o que é provavelmente verdade. Mas o partido não podia expor publicamente a vergonha de sua própria história, de que o ex-presidente é figura de primeira linha. Chega a ser inacreditável que tenha cabido a uma adversária, Dilma Rousseff, recordar essa história, na carta que enviou a FHC, em 2011, quando de seu 80º aniversário.

Escreveu: "Há muitas características do senhor Fernando Henrique Cardoso a homenagear. O acadêmico inovador, o político habilidoso, o ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica. Mas quero aqui destacar também o democrata. O espírito do jovem que lutou pelos seus ideais, que perduram até os dias de hoje".

Perduram até os dias de hoje para você, Dilma cara-pálida. Porque, para o PSDB/Serra, é algo a esconder, a não ser quando entraram num tobogã para baixo em todas as pesquisas de intenção de voto.

Convém lembrar que Aloysio Nunes Ferreira foi o primeiro a usar o ex-presidente na propaganda eleitoral, em 2010. Saiu lá de baixo para eleger-se senador. Pode não ter sido FHC quem lhe deu votos, mas obviamente não os tirou.

Convivo há 50 anos com o mundo político, no Brasil e em outros países. Às vezes até me diverte. Mas esse oportunismo não contribui para melhorar meu juízo sobre ele. Ingenuidade, talvez.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Luiz Carlos Bresser-Pereira

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