São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

Próximo Texto | Índice

ELEIÇÕES NOS EUA

Senador mimetiza o "radical" Dean e lhe toma a liderança na corrida democrata para a disputa presidencial

Discurso à esquerda impulsiona Kerry

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A surpreendente reviravolta na disputa pela candidatura democrata à Presidência dos EUA, que tinha o ex-governador de Vermont Howard Dean como favorito até três semanas atrás, está mais ligada à capacidade do senador John Kerry -de Massachusetts-, vencedor nas duas prévias do partido realizadas até agora, que a alguma nova mensagem inserida na campanha eleitoral.
De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, Kerry e seus assessores souberam descobrir por que Dean liderava as pesquisas e adaptaram o discurso do pré-candidato ao que o eleitorado do Partido Democrata queria ouvir.
"Desde meados de 2003, Dean deixou claro que a eleição presidencial oporia os desfavorecidos aos grupos de interesse, mensagem que serviu para catapultar sua pré-candidatura ao primeiro lugar na disputa democrata", afirmou Matthew Crenson, da Universidade Johns Hopkins (EUA).
"Contudo Dean concentrou seus ataques nos grupos que tiraram vantagem da Guerra do Iraque. Isso o ajudou inicialmente, porém essa mensagem perdeu o fôlego com o tempo. Afinal, o eleitorado americano está bem menos preocupado com a reconstrução do Iraque ou com a não-descoberta das supostas armas de destruição em massa iraquianas que com a ausência de um seguro-saúde público universal ou com o desemprego", acrescentou.
Para Diana Owen, co-autora de "Media Messages in American Presidential Elections" (mensagens da mídia em eleições presidenciais americanas), Kerry e o senador John Edwards, da Carolina do Norte, perceberam rápido a verdadeira razão pela qual Dean construíra sua vantagem inicial e adaptaram seu discurso, conquistando a simpatia de parte significativa do eleitorado democrata.
"A campanha de Dean vinha funcionando porque a maioria dos eleitores democratas está bastante descontente com a atual administração. Internacionalmente, o ponto aparentemente mais vulnerável do governo de George W. Bush é a Guerra do Iraque. Nos EUA, todavia, um conflito distante não é tão condenável quanto problemas internos. Kerry e Edwards, que votaram a favor da invasão do Iraque, não negligenciaram a importância de atacar a guerra, mas souberam introduzir temas domésticos em seu discurso, pois são mais rentáveis eleitoralmente", analisou Owen.
De fato, os dois senadores passaram a atacar a decisão de Bush de ir à guerra, argumentando que seu voto favorável à ela tivera como base relatórios incompletos dos serviços de inteligência, e elegeram os grupos de interesse que têm forte influência sobre a atual administração como seu alvo predileto. Assim, Kerry começou a atacar a indústria farmacêutica, "responsável pelo preço proibitivo dos remédios", e a petrolífera. Edwards passou a enfatizar que, no passado, combateu "os advogados das grandes corporações".

Insistência de Dean
Dean, por sua vez, demorou demais a perceber que a Guerra do Iraque não era suficientemente atraente aos olhos dos eleitores democratas, segundo Crenson. "Numa longa disputa eleitoral, é normal que qualquer candidato adapte seu discurso para agradar ao eleitorado. Kerry e Edwards parecem ter sabido fazê-lo. Já Dean insistiu demais na questão iraquiana e perdeu parte de seus simpatizantes", avaliou Crenson.
"Os EUA não vivem hoje a recessão que assombrou Bush pai em 1992. Mesmo assim, como a economia voltou a crescer, mas sem uma verdadeira geração de empregos, Kerry percebeu que tinha chegado a hora de atacar Bush, visto que Dean tinha ganho popularidade com esse tom. Porém concentrou seus ataques em pontos considerados mais relevantes pelos eleitores democratas, relacionados a temas internos."
Ambos os analistas concordam em que a disputa eleitoral deste ano não tem muito em comum com a que levou Bill Clinton à Presidência na década passada. "O eleitorado americano está muito mais dividido. E Bush filho é visto como alguém que cede às pressões dos grupos de interesse. Assim, veremos agora uma disputa bem mais dura que a que houve em 1992", explicou Owen.
Dean percebeu isso desde o início e tem atacado fortemente o governo. No entanto, como sua campanha ainda não decolou por conta das derrotas nas prévias de Iowa e de New Hampshire, ele corre o sério risco de ficar sem dinheiro na reta final da disputa democrata. "A TV tem um papel muito importante, e o espaço publicitário é muito caro. Se não conseguir voltar a arrecadar bastante, Dean não terá fundos para bancar comerciais em cidades como Nova York", disse Crenson.
De acordo com Owen, Kerry vive um "bom momento, mas a disputa ainda está no início". Sete Estados (Missouri, Arizona, Oklahoma, Carolina do Sul, Novo México, Delaware e Dakota do Norte) têm prévias na terça. Kerry lidera pesquisas em quatro deles.
Para Crenson, "a real surpresa é a pré-candidatura do general Wesley Clark não ter decolado, apesar de um início promissor".



Próximo Texto: Inexpressivo, "JFK" tenta se vender como bom rapaz
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.