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ELEIÇÕES NOS EUA
Senador mimetiza o "radical" Dean e lhe toma a liderança na corrida democrata para a disputa presidencial
Discurso à esquerda impulsiona Kerry
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A surpreendente reviravolta na
disputa pela candidatura democrata à Presidência dos EUA, que
tinha o ex-governador de Vermont Howard Dean como favorito até três semanas atrás, está
mais ligada à capacidade do senador John Kerry -de Massachusetts-, vencedor nas duas prévias do partido realizadas até agora, que a alguma nova mensagem
inserida na campanha eleitoral.
De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, Kerry e seus assessores souberam descobrir por
que Dean liderava as pesquisas e
adaptaram o discurso do pré-candidato ao que o eleitorado do Partido Democrata queria ouvir.
"Desde meados de 2003, Dean
deixou claro que a eleição presidencial oporia os desfavorecidos
aos grupos de interesse, mensagem que serviu para catapultar
sua pré-candidatura ao primeiro
lugar na disputa democrata", afirmou Matthew Crenson, da Universidade Johns Hopkins (EUA).
"Contudo Dean concentrou
seus ataques nos grupos que tiraram vantagem da Guerra do Iraque. Isso o ajudou inicialmente,
porém essa mensagem perdeu o
fôlego com o tempo. Afinal, o eleitorado americano está bem menos preocupado com a reconstrução do Iraque ou com a não-descoberta das supostas armas de
destruição em massa iraquianas
que com a ausência de um seguro-saúde público universal ou
com o desemprego", acrescentou.
Para Diana Owen, co-autora de
"Media Messages in American
Presidential Elections" (mensagens da mídia em eleições presidenciais americanas), Kerry e o
senador John Edwards, da Carolina do Norte, perceberam rápido a
verdadeira razão pela qual Dean
construíra sua vantagem inicial e
adaptaram seu discurso, conquistando a simpatia de parte significativa do eleitorado democrata.
"A campanha de Dean vinha
funcionando porque a maioria
dos eleitores democratas está bastante descontente com a atual administração. Internacionalmente,
o ponto aparentemente mais vulnerável do governo de George W.
Bush é a Guerra do Iraque. Nos
EUA, todavia, um conflito distante não é tão condenável quanto
problemas internos. Kerry e Edwards, que votaram a favor da invasão do Iraque, não negligenciaram a importância de atacar a
guerra, mas souberam introduzir
temas domésticos em seu discurso, pois são mais rentáveis eleitoralmente", analisou Owen.
De fato, os dois senadores passaram a atacar a decisão de Bush
de ir à guerra, argumentando que
seu voto favorável à ela tivera como base relatórios incompletos
dos serviços de inteligência, e elegeram os grupos de interesse que
têm forte influência sobre a atual
administração como seu alvo predileto. Assim, Kerry começou a
atacar a indústria farmacêutica,
"responsável pelo preço proibitivo dos remédios", e a petrolífera.
Edwards passou a enfatizar que,
no passado, combateu "os advogados das grandes corporações".
Insistência de Dean
Dean, por sua vez, demorou demais a perceber que a Guerra do
Iraque não era suficientemente
atraente aos olhos dos eleitores
democratas, segundo Crenson.
"Numa longa disputa eleitoral, é
normal que qualquer candidato
adapte seu discurso para agradar
ao eleitorado. Kerry e Edwards
parecem ter sabido fazê-lo. Já
Dean insistiu demais na questão
iraquiana e perdeu parte de seus
simpatizantes", avaliou Crenson.
"Os EUA não vivem hoje a recessão que assombrou Bush pai
em 1992. Mesmo assim, como a
economia voltou a crescer, mas
sem uma verdadeira geração de
empregos, Kerry percebeu que tinha chegado a hora de atacar
Bush, visto que Dean tinha ganho
popularidade com esse tom. Porém concentrou seus ataques em
pontos considerados mais relevantes pelos eleitores democratas,
relacionados a temas internos."
Ambos os analistas concordam
em que a disputa eleitoral deste
ano não tem muito em comum
com a que levou Bill Clinton à
Presidência na década passada.
"O eleitorado americano está
muito mais dividido. E Bush filho
é visto como alguém que cede às
pressões dos grupos de interesse.
Assim, veremos agora uma disputa bem mais dura que a que
houve em 1992", explicou Owen.
Dean percebeu isso desde o início e tem atacado fortemente o
governo. No entanto, como sua
campanha ainda não decolou por
conta das derrotas nas prévias de
Iowa e de New Hampshire, ele
corre o sério risco de ficar sem dinheiro na reta final da disputa democrata. "A TV tem um papel
muito importante, e o espaço publicitário é muito caro. Se não
conseguir voltar a arrecadar bastante, Dean não terá fundos para
bancar comerciais em cidades como Nova York", disse Crenson.
De acordo com Owen, Kerry vive um "bom momento, mas a disputa ainda está no início". Sete Estados (Missouri, Arizona, Oklahoma, Carolina do Sul, Novo México, Delaware e Dakota do Norte) têm prévias na terça. Kerry lidera pesquisas em quatro deles.
Para Crenson, "a real surpresa é
a pré-candidatura do general
Wesley Clark não ter decolado,
apesar de um início promissor".
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