São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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ARTIGO / ATAQUE DOS VÍRUS

Novas epidemias ressuscitam velhos temores

EDISON LUIZ DURIGON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os vírus, como outros microorganismos, possuem ampla distribuição e diversidade no ambiente global, como fica evidente com a recente disseminação da chamada gripe do frango em dez países da Ásia. Essa distribuição e essa diversidade estão longe de obter uma avaliação completa.
É de extrema importância o conhecimento desses patógenos, pois já há algumas décadas se nota a presença de agentes infecciosos emergentes que trazem ameaça substancial à saúde humana e animal, como a síndrome pulmonar por hantavírus, o vírus Ebola (que causa febre hemorrágica), a doença de Newcastle, a doença do oeste do Nilo e a gripe -entre muitas outras doenças que possuem etiologia, hospedeiros e patogenia pouco conhecidos.
Estão ainda muito presentes na memória coletiva os efeitos devastadores de uma pandemia (epidemia global) como a chamada gripe espanhola, que tirou a vida de algo entre 20 milhões e 40 milhões de pessoas, no outono/ inverno de 1918, entre 600 milhões de infectados. Em comparação, morreram 9 milhões de seres humanos nos combates da Primeira Guerra Mundial, que terminou no mesmo ano. Hoje se acredita que essa pandemia também tenha tido origem num hospedeiro aviário.
Essas doenças emergentes possuem sérias implicações biológicas. Em animais silvestres, colocam em grande risco a biodiversidade global, e várias dessas espécies representam reservatórios de patógenos que ameaçam a saúde animal e humana. A segunda implicação biológica é que há ainda aqueles vírus que transpõem barreiras entre hospedeiros de espécies distintas, como várias espécies de herpesvírus. Com isso, o estudo desses patógenos se torna indispensável para o entendimento dos riscos para a saúde pública e da ameaça à biodiversividade global.
Aves migratórias são comprovadamente responsáveis pelo carreamento e a transmissão de agentes virais de alcance internacional. Os agentes principais envolvidos são os vírus da doença da febre do oeste do Nilo e da influenza A, sendo o último de suma importância, pois é o responsável pelas grandes epidemias de gripe em seres humanos no século 20 e por perdas econômicas consideráveis na avicultura industrial.
Entre as aves acometidas se encontram principalmente frangos, perus e patos. Os últimos, quando selvagens, são os principais reservatórios e fontes de infecção. Outras aves de vida livre costumam não apresentar problemas sérios com a doença, mas são determinantes na sua distribuição, principalmente as migratórias.
Virtualmente todos os subtipos conhecidos do vírus da influenza A existem no reservatório aviário silvestre. Durante a migração das aves da Sibéria para o sul, nos anos de 1996 a 1998, foram detectados, em amostras fecais colhidas em ninhos de patos na cidade de Hokkaido (Japão), vírus de influenza A geneticamente semelhantes ao subtipo H5N1, isolado de aves domésticas de Hong Kong. Linhagens geneticamente relacionadas podem representar proximidade temporal e geográfica, também, não só a presença em espécies aviárias hospedeiras.
No Brasil, sabe-se que o vírus de influenza A é encontrado em aves de vida livre, com padrão de migração intercontinental. Entretanto, esses vírus ainda não foram caracterizados. Os vírus de influenza A(H5N1) que normalmente circulam entre pássaros selvagens podem infectar aves domésticas e, raramente, pessoas. Em 1997, 18 pessoas em Hong Kong foram hospitalizadas por causa das infecções com influenza A(H5N1), e seis delas morreram. Em 2003, de duas pessoas infectadas na China, uma morreu.
Em outubro de 2003 foram relatados, no Vietnã, os primeiros casos de pessoas hospitalizadas com doença respiratória severa relacionados ao vírus de influenza A (subtipo H5N1). No final de janeiro de 2004, novos casos com mortes ocorreram no sul daquele país. No mesmo período, a Tailândia comunicou o surgimento de casos de infecções pelo vírus de influenza A(H5N1) em seres humanos, com a ocorrência de mortes.
As infecções H5N1 entre aves domésticas foram confirmadas nos seguintes países: Coréia do Sul, Vietnã, Japão, Camboja, Tailândia e China, ocorrendo mortes em grande número dessas aves. A OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou que todos os genes virais são de origem aviária, indicando que o vírus não adquiriu genes dos vírus que acometem os humanos, o que aumentaria a possibilidade de transmissão de um ser humano para o outro.
O vírus causador da febre do oeste do Nilo ("West Nile virus", ou WNV) é um membro do grupo dos flavivírus, que inclui ainda os causadores das encefalites de Saint Louis (América do Sul e do Norte) e da encefalite japonesa (Ásia oriental). O WNV é responsável por uma alta freqüência de infecções inespecíficas em crianças e algumas vezes causa encefalites em pessoas com mais idade. Esse vírus foi primeiramente isolado e identificado, como um agente patogênico distinto, no sangue de uma mulher natural de Uganda, região do oeste do Nilo, no ano de 1937.
Epidemias da febre do oeste do Nilo têm se disseminado por todo o Velho Mundo, com até mais de 3.000 casos registrados em seres humanos, como na Província do Cabo (África do Sul) em 1974. Casos esporádicos dessa doença também têm sido registrados em cavalos na França e no Egito. Em 1999, alguns casos de febre do oeste do Nilo foram reportados pela primeira vez na América, tendo afetado, além da população humana, uma série de espécies de aves de vida livre e cativas.
Como o Brasil detém o segundo lugar em biodiversidade de aves do planeta e, sendo as aves consideradas os hospedeiros introdutórios do vírus da febre do oeste do Nilo, o potencial de desenvolvimento dessa virose na região é muito grande, com a agravante de existirem muitas espécies de ave que desenvolvem rotas migratórias do norte do continente para o sul e vice-versa. Os mosquitos dos gêneros Aedes e Culex, tidos como os principais vetores dessa virose no Velho Mundo, são achados com facilidade por quase todo o Brasil, o que reforça a preocupação com o aparecimento desse vírus nessas populações.
O transporte de aves vivas, aves silvestres migratórias, exóticas ou de companhia, de caça e esporte, e o comércio de aves domésticas têm sido implicados como métodos de disseminação importante dos vírus respiratórios.
Outro vírus emergente de importância em saúde pública, transmitido ao homem inicialmente pelas civetas e diagnosticado nos últimos anos, foi o coronavírus causador da Sars, ou pneumonia atípica. O primeiro caso da doença ocorreu em meados de novembro de 2002 na China, e ela se disseminou pela Ásia, pela América do Norte e pela Europa a partir de fevereiro de 2003, infectando mais de 8.000 pessoas, com 774 mortes em 27 países.
A prevenção dessas diferentes patologias e doenças emergentes só pode ocorrer por meio de contínua vigilância, realização de inquérito epidemiológico para determinar a fonte da infecção e estudos da epidemiologia molecular para determinar a evolução dos patógenos.


Edison Luiz Durigon, 47, é professor titular de virologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP)


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