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ARTIGO / ATAQUE DOS VÍRUS
Novas epidemias ressuscitam velhos temores
EDISON LUIZ DURIGON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os vírus, como outros microorganismos, possuem ampla distribuição e diversidade no ambiente
global, como fica evidente com a
recente disseminação da chamada gripe do frango em dez países
da Ásia. Essa distribuição e essa
diversidade estão longe de obter
uma avaliação completa.
É de extrema importância o conhecimento desses patógenos,
pois já há algumas décadas se nota a presença de agentes infecciosos emergentes que trazem ameaça substancial à saúde humana e
animal, como a síndrome pulmonar por hantavírus, o vírus Ebola
(que causa febre hemorrágica), a
doença de Newcastle, a doença do
oeste do Nilo e a gripe -entre
muitas outras doenças que possuem etiologia, hospedeiros e patogenia pouco conhecidos.
Estão ainda muito presentes na
memória coletiva os efeitos devastadores de uma pandemia
(epidemia global) como a chamada gripe espanhola, que tirou a vida de algo entre 20 milhões e 40
milhões de pessoas, no outono/
inverno de 1918, entre 600 milhões de infectados. Em comparação, morreram 9 milhões de seres
humanos nos combates da Primeira Guerra Mundial, que terminou no mesmo ano. Hoje se
acredita que essa pandemia também tenha tido origem num hospedeiro aviário.
Essas doenças emergentes possuem sérias implicações biológicas. Em animais silvestres, colocam em grande risco a biodiversidade global, e várias dessas espécies representam reservatórios de
patógenos que ameaçam a saúde
animal e humana. A segunda implicação biológica é que há ainda
aqueles vírus que transpõem barreiras entre hospedeiros de espécies distintas, como várias espécies de herpesvírus. Com isso, o
estudo desses patógenos se torna
indispensável para o entendimento dos riscos para a saúde pública e da ameaça à biodiversividade global.
Aves migratórias são comprovadamente responsáveis pelo carreamento e a transmissão de
agentes virais de alcance internacional. Os agentes principais envolvidos são os vírus da doença da
febre do oeste do Nilo e da influenza A, sendo o último de suma importância, pois é o responsável pelas grandes epidemias de
gripe em seres humanos no século 20 e por perdas econômicas
consideráveis na avicultura industrial.
Entre as aves acometidas se encontram principalmente frangos,
perus e patos. Os últimos, quando
selvagens, são os principais reservatórios e fontes de infecção. Outras aves de vida livre costumam
não apresentar problemas sérios
com a doença, mas são determinantes na sua distribuição, principalmente as migratórias.
Virtualmente todos os subtipos
conhecidos do vírus da influenza
A existem no reservatório aviário
silvestre. Durante a migração das
aves da Sibéria para o sul, nos
anos de 1996 a 1998, foram detectados, em amostras fecais colhidas em ninhos de patos na cidade
de Hokkaido (Japão), vírus de influenza A geneticamente semelhantes ao subtipo H5N1, isolado
de aves domésticas de Hong
Kong. Linhagens geneticamente
relacionadas podem representar
proximidade temporal e geográfica, também, não só a presença em
espécies aviárias hospedeiras.
No Brasil, sabe-se que o vírus de
influenza A é encontrado em aves
de vida livre, com padrão de migração intercontinental. Entretanto, esses vírus ainda não foram
caracterizados. Os vírus de influenza A(H5N1) que normalmente circulam entre pássaros
selvagens podem infectar aves domésticas e, raramente, pessoas.
Em 1997, 18 pessoas em Hong
Kong foram hospitalizadas por
causa das infecções com influenza
A(H5N1), e seis delas morreram.
Em 2003, de duas pessoas infectadas na China, uma morreu.
Em outubro de 2003 foram relatados, no Vietnã, os primeiros casos de pessoas hospitalizadas com
doença respiratória severa relacionados ao vírus de influenza A
(subtipo H5N1). No final de janeiro de 2004, novos casos com mortes ocorreram no sul daquele país.
No mesmo período, a Tailândia
comunicou o surgimento de casos de infecções pelo vírus de influenza A(H5N1) em seres humanos, com a ocorrência de mortes.
As infecções H5N1 entre aves
domésticas foram confirmadas
nos seguintes países: Coréia do
Sul, Vietnã, Japão, Camboja, Tailândia e China, ocorrendo mortes
em grande número dessas aves. A
OMS (Organização Mundial da
Saúde) divulgou que todos os genes virais são de origem aviária,
indicando que o vírus não adquiriu genes dos vírus que acometem
os humanos, o que aumentaria a
possibilidade de transmissão de
um ser humano para o outro.
O vírus causador da febre do
oeste do Nilo ("West Nile virus",
ou WNV) é um membro do grupo dos flavivírus, que inclui ainda
os causadores das encefalites de
Saint Louis (América do Sul e do
Norte) e da encefalite japonesa
(Ásia oriental). O WNV é responsável por uma alta freqüência de
infecções inespecíficas em crianças e algumas vezes causa encefalites em pessoas com mais idade.
Esse vírus foi primeiramente isolado e identificado, como um
agente patogênico distinto, no
sangue de uma mulher natural de
Uganda, região do oeste do Nilo,
no ano de 1937.
Epidemias da febre do oeste do
Nilo têm se disseminado por todo
o Velho Mundo, com até mais de
3.000 casos registrados em seres
humanos, como na Província do
Cabo (África do Sul) em 1974. Casos esporádicos dessa doença
também têm sido registrados em
cavalos na França e no Egito. Em
1999, alguns casos de febre do oeste do Nilo foram reportados pela
primeira vez na América, tendo
afetado, além da população humana, uma série de espécies de
aves de vida livre e cativas.
Como o Brasil detém o segundo
lugar em biodiversidade de aves
do planeta e, sendo as aves consideradas os hospedeiros introdutórios do vírus da febre do oeste
do Nilo, o potencial de desenvolvimento dessa virose na região é
muito grande, com a agravante de
existirem muitas espécies de ave
que desenvolvem rotas migratórias do norte do continente para o
sul e vice-versa. Os mosquitos dos
gêneros Aedes e Culex, tidos como os principais vetores dessa virose no Velho Mundo, são achados com facilidade por quase todo o Brasil, o que reforça a preocupação com o aparecimento
desse vírus nessas populações.
O transporte de aves vivas, aves
silvestres migratórias, exóticas ou
de companhia, de caça e esporte, e
o comércio de aves domésticas
têm sido implicados como métodos de disseminação importante
dos vírus respiratórios.
Outro vírus emergente de importância em saúde pública,
transmitido ao homem inicialmente pelas civetas e diagnosticado nos últimos anos, foi o coronavírus causador da Sars, ou pneumonia atípica. O primeiro caso da
doença ocorreu em meados de
novembro de 2002 na China, e ela
se disseminou pela Ásia, pela
América do Norte e pela Europa a
partir de fevereiro de 2003, infectando mais de 8.000 pessoas, com
774 mortes em 27 países.
A prevenção dessas diferentes
patologias e doenças emergentes
só pode ocorrer por meio de contínua vigilância, realização de inquérito epidemiológico para determinar a fonte da infecção e estudos da epidemiologia molecular para determinar a evolução
dos patógenos.
Edison Luiz Durigon, 47, é professor titular de virologia do Departamento de
Microbiologia do Instituto de Ciências
Biomédicas (ICB-USP)
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