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Religião sequestrou movimento civil, diz estudiosa do Irã
Para a antropóloga Fariba Adelkhah, foi a guerra com o Iraque que projetou Khomeini e disseminou a islamização
"Revolta profunda contra a injustiça e pela liberdade" foi apropriada por clérigos e acabou por arrefecer caráter pluralista da insurreição
DA REPORTAGEM LOCAL
A revolução iraniana começou como um movimento civil
pluralista e acabou apropriado
por forças religiosas, segundo a
antropóloga e analista iraniana
Fariba Adelkhah, do Centro de
Estudos e Pesquisas Internacionais de Paris.
Em entrevista à Folha, por
telefone, Adelkhah também relativizou o papel do aiatolá Ruhollah Khomeini no processo
revolucionário.
(SAMY ADGHIRNI)
FOLHA - Como surgiu a Revolução
Islâmica?
FARIBA ADELKHAH - No início não
se tratava de uma revolução islâmica, mas de um movimento
que abraçava todo tipo de correntes -nacionalistas, esquerdistas, sindicalistas, religiosas
etc-, unidas contra o regime
repressor e cruel do xá. Era
uma revolta profunda contra a
injustiça e pela liberdade, típica
dos movimentos anti-imperialistas e terceiro-mundistas dos
anos 70. Mas a desordem e o
caos se instalaram após a revolução, e esse cenário acabou beneficiando os clérigos, que
eram vistos com uma espécie
de referência segura num contexto de incertezas e disputas
pós-revolucionárias.
Mas mesmo com os aiatolás
no poder, a "islamização" da sociedade só ocorreu anos depois,
por impulso da guerra com o
Iraque [de 1980 a 1988], que
uniu as pessoas em torno da liderança religiosa.
O conflito acabou deslocando temporariamente as reivindicações sociais e igualitárias,
mas elas voltaram com tudo.
Não acho que o Irã esteja à beira de uma revolução, até porque as pessoas não querem
mais o cenário de caos e acertos
de contas inerente a esses processos. Mas a sociedade continua dinâmica e heterogênea, e
mesmo entre os clérigos iranianos há uma pluralidade de visões do islã. A cúpula religiosa
do Estado sabe lidar de forma
pragmática com esse cenário.
FOLHA - A sra. está dizendo que
Khomeini não foi o mentor da mudança?
ADELKHAH - Khomeini era parte
de uma corrente muito ampla,
mas acabou beneficiando-se da
imagem de velhinho religioso
alheio às disputas partidárias.
Ele era o único vestígio da unanimidade revolucionária que se
rompeu após a queda do regime
do xá. E ele acreditava em sua
própria soberba, o que lhe dava
mais força. Mas, sem a guerra
deflagrada pelo Iraque, que
uniu o país em torno dele, Khomeini provavelmente jamais
teria obtido tanto poder. Foi o
conflito que fez a revolução sair
dos meios intelectuais urbanos
para chegar no campo e nas
montanhas.
FOLHA - Qual foi o impacto externo da revolução?
ADELKHAH - A revolução alavancou o fundamentalismo islâmico na região -no Egito, no Líbano, no golfo Pérsico. O Irã
gosta de se ver como o responsável pela proliferação e fortalecimento dos movimentos religiosos, a exemplo do efeito da
revolução comunista russa no
resto do mundo. Até hoje Teerã
mobiliza e apoia forças como o
Hizbollah, que lhes são úteis na
confrontação com os EUA
-embora essas manobras não
passem de cócegas para os
americanos.
É preciso no entanto relativizar esse quadro. O Irã, que sofreu uma dura guerra e está sob
sanções econômicas, não tem
poder significativo fora de suas
fronteiras. O Hizbollah está
mesmo interessado é no Líbano. As forças xiitas no Iraque
também são autônomas de
Teerã. E o xiismo afegão é muito distante do Irã, que, tirando
uma aliança circunstancial
com a Síria, hoje está isolado.
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