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Na maior cidade no Ártico, aquecimento global não é vilão
DO ENVIADO ESPECIAL A MURMANSK
Murmansk é um dos poucos
lugares do mundo em que o
aquecimento global não é exatamente um vilão, mas sim uma
esperança. É que o governo local acredita que, com a redução
acentuada da camada de gelo
do Ártico, serão abertas rotas
comerciais antes inacessíveis.
A chamada "ponte ártica" já foi
testada, ligando Murmansk a
Churchill, no Canadá.
O representante do Ministério de Assuntos Regionais na cidade, Alexander Selin, calcula
que seja possível aumentar o
fluxo atual de 45 milhões de toneladas para 56 milhões de toneladas em 2015. Hoje, tem
41% do comércio marítimo russo. Em comparação, o porto de
Santos, maior do Brasil, movimentou 80 milhões de toneladas ano passado.
Se isso não ocorrer, e apesar
da melhoria salarial observada
nos últimos anos, o processo de
desidratação populacional da
cidade parece inexorável, a
exemplo do que acontece em
toda a Rússia. Em 1989, antes
da derrocada soviética, havia
468 mil pessoas morando por
lá. Agora, são 320 mil.
Gosto soviético
A cidade guarda um gosto soviético que não se vê em Moscou e São Petersburgo. A proporção de antigos carros da era
comunista, como os Volga e os
Lada, é muito superior à encontrada nos grandes centros.
Em Murmansk, é possível
achar o "Pravda", jornal do Partido Comunista, em bancas de
jornal, algo impossível em
Moscou. Tipos suspeitos abordam estranhos à porta de shoppings ofertando não drogas,
mas sim câmbio de dinheiro
-um crime capital à época soviética, redundante no mundo
dos caixas automáticos.
A loja de roupas e badulaques
navais do Ministério da Defesa
dá o tom dos novos tempos,
contudo: arrendou 80% de seu
espaço para uma empresa que
vende eletrônicos.
Numa coisa a "nova Rússia"
chegou: preço de comida. Como quase tudo vem de fora, os
restaurantes mais sofisticados,
e esse é um termo relativo em
Murmansk, cobram preços não
muito distantes dos de Moscou.
Ainda assim, toma-se cerveja
russa de meio litro a 2/3 do preço moscovita. Produtos dos vizinhos finlandeses e noruegueses abundam.
"Cidade heróica"
A cidade foi construída por
ordens imperiais em 1916, tendo sido reduzida a quase pó na
Segunda Guerra Mundial,
quando retomou sua função
original de porto de entrada de
suprimento de aliados da Rússia contra a Alemanha. Por conta da resistência a nazistas e finlandeses, ganhou um tardio
título de cidade heróica da
União Soviética, em 1985.
O resultado da destruição foi
a reconstrução no mais puro
estilo stalinista, com a avenida
Lênin servindo de artéria central. Não houve revisionismo: a
estátua do velho Vladimir se
encontra no mesmo lugar, sua
efígie está em todos os prédios
públicos, assim como uma miríada de foices-e-martelos carcomidas pela brisa marítima e
pelo frio.
A temperatura média de
Murmansk fica entre -2,7 graus
e 3,7 graus. Entre quarta e quinta-feira passadas, quando a Folha lá esteve, a média diurna foi
de -10 graus, chegando a -25
graus à noite. Ainda assim, dizem moradores, essa época do
ano já registrou temperaturas
bem mais baixas.
Uma densa neblina cobre tudo. Ela vem do mar de Barents,
que por ser tributário da corrente do Golfo, solta vapor porque geralmente a água é mais
quente que o clima fora dela. E
também das três usinas termelétricas, que geram calor e
energia para a cidade, sob o custo de uma eterna fumaça de
suas chaminés.
À noite, com tempo limpo, há
um espetáculo que está registrado até na bandeira da cidade;
as auroras boreais, fenômenos
em que partículas trazidas pelo
vento solar atingem o campo
magnético terrestre em camadas altas da atmosfera nos pólos, gerando feixes luminosos
que "dançam" como ondas
magníficas.
(IG)
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