São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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Na maior cidade no Ártico, aquecimento global não é vilão

DO ENVIADO ESPECIAL A MURMANSK

Murmansk é um dos poucos lugares do mundo em que o aquecimento global não é exatamente um vilão, mas sim uma esperança. É que o governo local acredita que, com a redução acentuada da camada de gelo do Ártico, serão abertas rotas comerciais antes inacessíveis. A chamada "ponte ártica" já foi testada, ligando Murmansk a Churchill, no Canadá.
O representante do Ministério de Assuntos Regionais na cidade, Alexander Selin, calcula que seja possível aumentar o fluxo atual de 45 milhões de toneladas para 56 milhões de toneladas em 2015. Hoje, tem 41% do comércio marítimo russo. Em comparação, o porto de Santos, maior do Brasil, movimentou 80 milhões de toneladas ano passado.
Se isso não ocorrer, e apesar da melhoria salarial observada nos últimos anos, o processo de desidratação populacional da cidade parece inexorável, a exemplo do que acontece em toda a Rússia. Em 1989, antes da derrocada soviética, havia 468 mil pessoas morando por lá. Agora, são 320 mil.

Gosto soviético
A cidade guarda um gosto soviético que não se vê em Moscou e São Petersburgo. A proporção de antigos carros da era comunista, como os Volga e os Lada, é muito superior à encontrada nos grandes centros.
Em Murmansk, é possível achar o "Pravda", jornal do Partido Comunista, em bancas de jornal, algo impossível em Moscou. Tipos suspeitos abordam estranhos à porta de shoppings ofertando não drogas, mas sim câmbio de dinheiro -um crime capital à época soviética, redundante no mundo dos caixas automáticos.
A loja de roupas e badulaques navais do Ministério da Defesa dá o tom dos novos tempos, contudo: arrendou 80% de seu espaço para uma empresa que vende eletrônicos.
Numa coisa a "nova Rússia" chegou: preço de comida. Como quase tudo vem de fora, os restaurantes mais sofisticados, e esse é um termo relativo em Murmansk, cobram preços não muito distantes dos de Moscou. Ainda assim, toma-se cerveja russa de meio litro a 2/3 do preço moscovita. Produtos dos vizinhos finlandeses e noruegueses abundam.

"Cidade heróica"
A cidade foi construída por ordens imperiais em 1916, tendo sido reduzida a quase pó na Segunda Guerra Mundial, quando retomou sua função original de porto de entrada de suprimento de aliados da Rússia contra a Alemanha. Por conta da resistência a nazistas e finlandeses, ganhou um tardio título de cidade heróica da União Soviética, em 1985.
O resultado da destruição foi a reconstrução no mais puro estilo stalinista, com a avenida Lênin servindo de artéria central. Não houve revisionismo: a estátua do velho Vladimir se encontra no mesmo lugar, sua efígie está em todos os prédios públicos, assim como uma miríada de foices-e-martelos carcomidas pela brisa marítima e pelo frio.
A temperatura média de Murmansk fica entre -2,7 graus e 3,7 graus. Entre quarta e quinta-feira passadas, quando a Folha lá esteve, a média diurna foi de -10 graus, chegando a -25 graus à noite. Ainda assim, dizem moradores, essa época do ano já registrou temperaturas bem mais baixas.
Uma densa neblina cobre tudo. Ela vem do mar de Barents, que por ser tributário da corrente do Golfo, solta vapor porque geralmente a água é mais quente que o clima fora dela. E também das três usinas termelétricas, que geram calor e energia para a cidade, sob o custo de uma eterna fumaça de suas chaminés.
À noite, com tempo limpo, há um espetáculo que está registrado até na bandeira da cidade; as auroras boreais, fenômenos em que partículas trazidas pelo vento solar atingem o campo magnético terrestre em camadas altas da atmosfera nos pólos, gerando feixes luminosos que "dançam" como ondas magníficas. (IG)


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