São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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No Pólo Norte, jogo do Kremlin é pesado

Em Murmansk, eleitores sofrem pressão de empresas e governantes indicados por Putin para votar amanhã em Medvedev

Às vésperas do pleito, preço dos serviços como luz e aquecimento foi reduzido; apesar de apoio grande ao governo, assédio incomoda

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MURMANSK (RÚSSIA)

A sutileza governamental no desempenho da tarefa de assegurar uma vitória expressiva para o candidato do Kremlin à Presidência da Rússia, Dmitri Medvedev, parece diminuir de forma diretamente proporcional à distância dos grandes centros urbanos. Foi o que a Folha constatou no extremo norte do país, em Murmansk.
"Capital do Pólo Norte", maior cidade acima do Círculo Polar Ártico, a gelada Murmansk apresenta ao observador toda sorte de desvios de conduta de seus governantes. Tanto o município quanto a região administrativa homônima nele baseada são governados por políticos pró-Kremlin.
"Um dia chegou uma carta pedindo, nominalmente, o meu comparecimento e o de minha mulher às urnas. Três semanas depois, chegou essa aqui", disse Sacha Volodin, motorista de caminhão de 45 anos. Enquanto ele mostrava a segunda convocação, seu celular anunciou a chegada de uma mensagem mostrando o engajamento dos empresários: a operadora de telefonia MTS chama "os russos a cumprir seu dever" em um torpedo.
A alta abstenção é o pesadelo do Kremlin, interessado em dar legitimidade a Medvedev, ungido pelo presidente Vladimir Putin como seu sucessor escolhido. Mas perto do Pólo Norte há sinais de manipulação do eleitorado, muito mais evidentes do que em Moscou.

Preços reduzidos
Em Murmansk, as autoridades diminuíram pela primeira vez na história o preço da taxa que é cobrada pelos serviços municipais: aquecimento, luz, água e coleta de lixo. Um apartamento de um quarto é cobrado em R$ 170 mensais, e agora paga a metade disso.
Detalhe: apenas em fevereiro. Segundo o prefeito Mikhail Savchenko e o governador Iuri Ievdokimov, ambos do partido governista Rússia Unida, "a medida não tem a ver com as eleições, e sim é uma homenagem aos tempos excepcionais pelos quais nosso país passa".
A prefeitura foi procurada, mas não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem. Savchenko é considerado por moradores da cidade como um bom administrador, mas é acusado por adversários de integrar a chamada máfia nórdica, que controla o porto da cidade e o comércio com cidades da Noruega e Finlândia, países com os quais a região de Murmansk faz borda, na península de Kola.

Frota Norte
A cidade, com 320 mil habitantes, serve de base para a outrora poderosa Frota Norte da Marinha Russa -ainda detentora de 42 submarinos, a maioria nuclear e oito deles capazes de lançar mísseis intercontinentais, navios de combate e o único porta-aviões do país, o "Almirante Kuznetsov".
Assim, a presença de oficiais e marinheiros é uma constante em suas ruas. Gente como Alexander, um suboficial da frota de submarinos que pede para não ter seu sobrenome divulgado. Ele conta que uma prática comum dos tempos soviéticos foi revivida: os comandantes dão "ordens" sobre em quem os subalternos devem votar.
"Eu até acho que não há alternativa a Medvedev, mas é muito estranha a forma como as coisas acontecem", afirmou ele num café da avenida Lênin, a principal da cidade e que ainda ostenta uma estátua do pai do comunismo soviético.
É uma forma de repetir aquele que é considerado por observadores internacionais o jeito mais fácil de manipular a votação na Rússia, o uso de votos fora do domicílio eleitoral. Usando uma cédula de eleitor ausente, o cidadão é, digamos, estimulado a votar num local -como um centro comercial ou uma estação de trem. Lá, membros dos partidos dão a "orientação" necessária.
Mas há outros fatores garantindo o apoio ao governo em Murmansk, de resto os mesmos que dão ao governo de Vladimir Putin sua excepcional aprovação de 70% junto à população: a economia. Em 2000, Murmansk tinha cerca de 60% de sua população ganhando menos que 5.000 rublos (R$ 354), segundo dados do governo. Agora, são menos de 20%, e o PIB regional subiu no período de aproximadamente 0,2% para 0,4% do total nacional.
"A vida de todo mundo melhorou. A gente vendia uns cinco celulares por dia há três anos. Agora, são pelo menos 15", conta Andre Nikitschki, 24, chefe de vendas da filial da rede Evroset ao lado da estação de trem de Murmansk.


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