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"Não podemos mais ser antiimperalistas"
Candidato à Presidência de El Salvador pela ex-guerrilha esquerdista FMLN diz que grupo hoje é de centro e precisa dos EUA
Maurício Funes, da FMLN, afirma porém que deseja retirar tropas salvadorenhas do Iraque e pedir revisão do TLC ao Congresso americano
ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO
No discurso, o radicalismo
acabou. A Frente Farabundo
Martí de Libertación Nacional
(FMLN), antiga guerrilha esquerdista que lutou contra o
governo de El Salvador e forças
dos EUA na guerra civil (1979-1992), hoje se moveu ao centro
e abandonou o discurso antiimperialista. É o que afirma Maurício Funes, escolhido pelo partido para disputar as eleições
presidenciais de 2009 no país.
O partido direitista Arena
(Aliança Republicana Nacionalista), há 18 anos no poder, contesta a prevalência do rival, mas
o status quo político está ameaçado. Levantamento da Universidade Centro-Americana
(UCA) mostrava, em novembro, a FMLN com 34,5% da
preferência, contra 27% da
Arena. O jornal "Diario de Hoy"
divulgou nesta semana pesquisa que mostra que a FMLN tem
hoje mais simpatizantes na capital do país-33,1%, contra
26,7% dos direitistas. A margem de erro é de 4,9 pontos.
A FMLN se tornou partido
após os acordos de paz, há 16
anos. Mas "esta é a primeira vez
que tem um candidato de fora,
que nunca exerceu militância",
diz o ex-jornalista Funes. Leia
os principais trechos da entrevista que ele concedeu em dezembro à Folha, em São Paulo.
FOLHA - Que resquícios da guerra
civil travam o crescimento do país?
MAURÍCIO FUNES - Nunca foi criado um clima de reconciliação
nacional. O governo preferiu
construir o futuro sem investigar as graves violações aos direitos humanos do passado. A
anistia [concedida após os
acordos de paz por crimes políticos cometidos durante a guerra] tem que ser derrubada. Não
estou promovendo um afã revanchista, mas é preciso uma
reparação civil, material e moral. É preciso pedir perdão. A
impunidade é um dos males
que ainda nos afligem.
FOLHA - A que o sr. atribui a permanência da Arena no poder?
Funes - A Arena recebeu uma
confiança que a FMLN ainda
não pôde construir. Mas os cidadãos percebem que não foram resolvidos os dois maiores
problemas do país -a delinqüência e a questão econômica.
Há campanhas de medo que
associam a FMLN com a anarquia. Afirmaram que os 2,8 milhões de salvadorenhos que vivem nos EUA e com suas remessas mensais ajudam a economia nacional seriam deportados. E El Salvador depende
das remessas -de cada 10 famílias, 4 complementam a renda
assim. A Arena tem uma máquina eleitoral muito bem organizada, mas cremos que em
2009 ela não será suficiente. A
FMLN soube ir para o centro.
FOLHA - O que o sr. mudaria nas relações de El Salvador com os EUA?
FUNES - As relações têm que ser
mais próximas, mas de maior
respeito. Não concordamos
com a presença das tropas de El
Salvador no Iraque. Se ganhar,
vou retirá-las. O [presidente
Elias Antonio] Saca diz que enviar tropas favorece a amizade
com os EUA, que em troca facilita acordos migratórios. Mas
Honduras e Nicarágua têm os
mesmos acordos e não têm tropas no Iraque. O que nos daria
estabilidade migratória seria
uma reforma integral nos EUA.
Também é preciso rever
acordos comerciais. O Tratado
de Livre Comércio (TLC) contém cláusulas que afetaram os
setores mais vulneráveis da
economia salvadorenha. Não
queremos deixar de cumprí-lo,
mas sim solicitar a revisão do
TLC no Congresso dos EUA.
No passado, a FMLN adotou
uma posição muito antiimperialista. Hoje somos muito mais
moderados e realistas. Não podemos ter um discurso antiimperialista quando um terço da
população vive nos EUA. A
FMLN também foi contra a dolarização, mas eu não vou alterar isso. O custo de reverter a
dolarização seria muito maior
do que o de mantê-la.
FOLHA - E quanto à Venezuela?
FUNES - Estreitaríamos as relações comerciais e de cooperação. O governo salvadorenho
rechaçou a oferta que lhe fez
Hugo Chávez para construir
uma planta armazenadora de
petróleo de modo a poder comprar combustível da Venezuela
a um preço muito mais baixo.
Se pudermos obter petróleo a
um preço melhor, por que não?
Mas estreitar relações com
Chávez não significa que vamos
copiar seu modelo, ou que ele
terá uma presença predominante nos assuntos internos de
El Salvador. Também apostamos no fortalecimento das relações outros governos de esquerda, particularmente com o
Brasil. O relacionamento que
Lula conseguiu com o setor privado me interessa, porque nosso desafio é parecido.
FOLHA - Há alguma intenção de
mudar a Constituição?
FUNES - Não. A FMLN não participou da elaboração da Constituição de 1983 porque na época era uma força insurgente,
mas é uma boa Carta, que concebe o Estado como principal
provedor de serviços públicos.
E não buscamos a reeleição.
FOLHA - Há investimentos do Brasil e dos EUA na produção de álcool
em El Salvador. O sr. é favorável?
FUNES - Sim. Brasileiros poderiam usar El Salvador como
plataforma para exportar álcool para os EUA sem pagar impostos, por causa do TLC. Mas
queremos que essa aliança beneficie o maior número de empresários possível. Não vamos
estimular o surgimento de mais
monopólios.
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