São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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"Não podemos mais ser antiimperalistas"

Candidato à Presidência de El Salvador pela ex-guerrilha esquerdista FMLN diz que grupo hoje é de centro e precisa dos EUA

Maurício Funes, da FMLN, afirma porém que deseja retirar tropas salvadorenhas do Iraque e pedir revisão do TLC ao Congresso americano

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

No discurso, o radicalismo acabou. A Frente Farabundo Martí de Libertación Nacional (FMLN), antiga guerrilha esquerdista que lutou contra o governo de El Salvador e forças dos EUA na guerra civil (1979-1992), hoje se moveu ao centro e abandonou o discurso antiimperialista. É o que afirma Maurício Funes, escolhido pelo partido para disputar as eleições presidenciais de 2009 no país. O partido direitista Arena (Aliança Republicana Nacionalista), há 18 anos no poder, contesta a prevalência do rival, mas o status quo político está ameaçado. Levantamento da Universidade Centro-Americana (UCA) mostrava, em novembro, a FMLN com 34,5% da preferência, contra 27% da Arena. O jornal "Diario de Hoy" divulgou nesta semana pesquisa que mostra que a FMLN tem hoje mais simpatizantes na capital do país-33,1%, contra 26,7% dos direitistas. A margem de erro é de 4,9 pontos. A FMLN se tornou partido após os acordos de paz, há 16 anos. Mas "esta é a primeira vez que tem um candidato de fora, que nunca exerceu militância", diz o ex-jornalista Funes. Leia os principais trechos da entrevista que ele concedeu em dezembro à Folha, em São Paulo.

 

FOLHA - Que resquícios da guerra civil travam o crescimento do país?
MAURÍCIO FUNES -
Nunca foi criado um clima de reconciliação nacional. O governo preferiu construir o futuro sem investigar as graves violações aos direitos humanos do passado. A anistia [concedida após os acordos de paz por crimes políticos cometidos durante a guerra] tem que ser derrubada. Não estou promovendo um afã revanchista, mas é preciso uma reparação civil, material e moral. É preciso pedir perdão. A impunidade é um dos males que ainda nos afligem.

FOLHA - A que o sr. atribui a permanência da Arena no poder?
Funes -
A Arena recebeu uma confiança que a FMLN ainda não pôde construir. Mas os cidadãos percebem que não foram resolvidos os dois maiores problemas do país -a delinqüência e a questão econômica. Há campanhas de medo que associam a FMLN com a anarquia. Afirmaram que os 2,8 milhões de salvadorenhos que vivem nos EUA e com suas remessas mensais ajudam a economia nacional seriam deportados. E El Salvador depende das remessas -de cada 10 famílias, 4 complementam a renda assim. A Arena tem uma máquina eleitoral muito bem organizada, mas cremos que em 2009 ela não será suficiente. A FMLN soube ir para o centro.

FOLHA - O que o sr. mudaria nas relações de El Salvador com os EUA?
FUNES -
As relações têm que ser mais próximas, mas de maior respeito. Não concordamos com a presença das tropas de El Salvador no Iraque. Se ganhar, vou retirá-las. O [presidente Elias Antonio] Saca diz que enviar tropas favorece a amizade com os EUA, que em troca facilita acordos migratórios. Mas Honduras e Nicarágua têm os mesmos acordos e não têm tropas no Iraque. O que nos daria estabilidade migratória seria uma reforma integral nos EUA.
Também é preciso rever acordos comerciais. O Tratado de Livre Comércio (TLC) contém cláusulas que afetaram os setores mais vulneráveis da economia salvadorenha. Não queremos deixar de cumprí-lo, mas sim solicitar a revisão do TLC no Congresso dos EUA.
No passado, a FMLN adotou uma posição muito antiimperialista. Hoje somos muito mais moderados e realistas. Não podemos ter um discurso antiimperialista quando um terço da população vive nos EUA. A FMLN também foi contra a dolarização, mas eu não vou alterar isso. O custo de reverter a dolarização seria muito maior do que o de mantê-la.

FOLHA - E quanto à Venezuela?
FUNES -
Estreitaríamos as relações comerciais e de cooperação. O governo salvadorenho rechaçou a oferta que lhe fez Hugo Chávez para construir uma planta armazenadora de petróleo de modo a poder comprar combustível da Venezuela a um preço muito mais baixo.
Se pudermos obter petróleo a um preço melhor, por que não? Mas estreitar relações com Chávez não significa que vamos copiar seu modelo, ou que ele terá uma presença predominante nos assuntos internos de El Salvador. Também apostamos no fortalecimento das relações outros governos de esquerda, particularmente com o Brasil. O relacionamento que Lula conseguiu com o setor privado me interessa, porque nosso desafio é parecido.

FOLHA - Há alguma intenção de mudar a Constituição?
FUNES -
Não. A FMLN não participou da elaboração da Constituição de 1983 porque na época era uma força insurgente, mas é uma boa Carta, que concebe o Estado como principal provedor de serviços públicos. E não buscamos a reeleição.

FOLHA - Há investimentos do Brasil e dos EUA na produção de álcool em El Salvador. O sr. é favorável?
FUNES -
Sim. Brasileiros poderiam usar El Salvador como plataforma para exportar álcool para os EUA sem pagar impostos, por causa do TLC. Mas queremos que essa aliança beneficie o maior número de empresários possível. Não vamos estimular o surgimento de mais monopólios.


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