São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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Rainha é "guardiã da democracia", diz sua biógrafa

MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

Bem-humorada, reservada e trabalhadora. Na opinião de Sarah Bradford, biógrafa da rainha britânica, essas são algumas das qualidades que fizeram de Elizabeth 2ª um dos pilares da estabilidade institucional do Reino Unido nos últimos 50 anos.
"Embora a rainha não seja eleita, acho que ela é como uma guardiã da democracia", afirmou Bradford, desafiando os críticos que vêem no princípio da sucessão hereditária um símbolo de um sistema antiquado e autoritário.
"A primeira coisa que os ditadores fazem é se livrar da monarquia." Bradford, historiadora e autora de biografias de, entre outros, George 6º (pai de Elizabeth 2ª) e Jacqueline Kennedy Onassis, recebeu a reportagem da Folha em Londres, no início do ano, para a seguinte entrevista.

Folha - Quais foram as principais realizações da rainha em 50 anos?
Sarah Bradford -
Ela conseguiu manter as coisas caminhando corretamente durante um período difícil. Manteve o respeito da população por ela. E representou muito bem o país como chefe de Estado no exterior.

Folha - Qual é a relevância dela no cenário político doméstico?
Bradford -
Ela é uma monarca constitucional, o que significa que é uma figura apolítica. O papel dela no Reino Unido é importante como chefe de Estado. Ela não se envolve com nenhum partido político em particular ou ideologia.

Folha - Se ela é uma figura apolítica, o que discute em seu encontro semanal com o premiê?
Bradford -
Acho que ela é um tipo de conselheira, ponto de referência. Com a idade que tem agora e o tempo de reinado, tem grande experiência, principalmente no que diz respeito à Commonwealth (comunidade dos países que pertenceram ao império britânico).

Folha - Isso significa que ela aconselha Tony Blair quando há crise entre países como, por exemplo, Índia e Paquistão?
Bradford -
Bem, se ele pedir conselhos a ela, sim (risos). Provavelmente Blair não pede.
Acho que também é útil para um premiê poder falar com uma pessoa que nunca dirá uma palavra aos outros sobre o que foi conversado. Nada do que se fala ali é vazado para a imprensa.

Folha - Como são as relações entre a rainha e Blair?
Bradford -
É um relacionamento cortês. Ele foi de grande ajuda quando a princesa Diana morreu. Acho que Blair a respeita e não quer se meter em articulações republicanas. Ela não é uma ameaça, então não há sentido para ele em alterar as coisas.

Folha - Houve algum premiê de quem a rainha não gostava?
Bradford -
Eu citaria Edward Heath (1970-74), porque ele era um homem que não se dava bem com mulheres. A rainha também divergia sobre a Commonwealth com Margaret Thatcher (1979-90). Elas são tipos completamente diferentes, a rainha é uma mulher do campo. Thatcher é urbana.
Quando Thatcher tinha de visitá-la na residência de férias em Balmoral, na Escócia, as serviçais tinham de praticamente forçá-la a vestir as botas de borracha.

Folha - Que tipo de acesso a sra. teve à rainha enquanto escrevia a biografia? A sra. a entrevistou?
Bradford -
Não, ninguém entrevista a rainha. Nenhum escritor tem permissão de falar com ela. É claro que você pode encontrá-la em eventos sociais, mas ela nunca, nesses 50 anos, deu entrevistas. E uma biografia autorizada pela monarquia não pode ser publicada até a morte do rei ou da rainha. Isso ocorre para preservar uma certa mística e por razões políticas. Ela não fala pois isso abriria a possibilidade de criticar políticos. Assim, as informações que recolhi vêm de pessoas de seu círculo, de suas cortesãs.

Folha - Como a sra. descreveria a personalidade de Elizabeth 2ª?
Bradford -
Ela não é tímida, mas é muito reservada. Pode ser também muito engraçada, com tiradas rápidas e curtas. Ela imita pessoas muito bem. Tem muito mais senso de humor do que parece.

Folha - Como é um típico dia na vida da rainha? O que ela faz?
Bradford -
Quando ela está no campo, costuma sair para cavalgadas. Frequentemente dá almoços ou faz visitas a hospitais, escolas. Tem também de cumprir as tarefas mais formais, como a recepção de embaixadores.
É uma vida em que ela não tem muito tempo para si mesma, a não ser após as 18h. Há sempre caixas e mais caixas de papéis para ler. Ela trabalha muito duro e gosta disso. Pode não ser politizada, mas gosta de saber o que está acontecendo, lê os jornais.

Folha - Para que então serve a rainha se ela não pode influenciar a vida política? Ela é só um símbolo?
Bradford -
Eu acredito que é um símbolo importante. É bom ter um ponto de estabilidade permanente. Por exemplo, quando a rainha morrer, o príncipe Charles será o rei, não importa o que digam sobre ele. Isso ocorre sem os problemas causados por eleições presidenciais. Assim, trata-se de estabilidade e continuidade.
Há também muita coisa que a monarquia pode fazer na parte do bem-estar social.

Folha - Mas não é contraditório nos dias de hoje, em que os valores democráticos ganharam tanta força, um país como o Reino Unido manter sistema em que o "poder" é transmitido de pai para filho?
Bradford -
Sim, mas a monarquia é defensora da democracia. Ela evita que um político concentre poder demasiado em suas mãos. Os governos tem se tornado cada vez menos democráticos, com cada vez mais conselheiros não-eleitos. Embora a rainha não seja eleita, acho que ela é como uma guardiã da democracia. Se observar o comportamento dos ditadores, a primeira coisa que fazem é se livrar da monarquia.

Folha - Como a morte da princesa Diana afetou a monarquia, em geral, e a rainha, em particular?
Bradford -
Houve uma tremenda comoção, o que trouxe de volta à família real a noção de que eles estão ali devido ao consentimento da população. Houve um forte sentimento de que a monarquia precisava se aproximar do povo.
A rainha passou a sair muito mais, visitando pubs (bares), tomando chá com o povo. Posso dizer que houve uma "dianalização" da monarquia.



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