São Paulo, quarta-feira, 01 de junho de 2005

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AMÉRICA DO SUL

La Paz é tomada por manifestantes que não querem mais autonomia para regiões; falta de quórum impede sessão

Protestos bloqueiam Congresso boliviano

Aizar Raldes/France Presse
Bolivianos correm em meio a gás lacrimogêneo usado pela polícia contra manifestantes em La Paz


CAROLINA VILA-NOVA
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

No dia de maior tensão social vivido pelo governo do presidente da Bolívia, Carlos Mesa, a multiplicação de protestos, marchas e bloqueios de ruas em La Paz conseguiram impedir ontem a realização da sessão de reabertura do Congresso, após quase duas semanas de suspensão dos trabalhos parlamentares em meio a intensa pressão social e política.
A sessão trataria da convocação do plebiscito para definir a autonomia dos departamentos e a eleição direta para prefeitos, proposta liderada pela rica região de Santa Cruz e apoiada pelos departamentos de Tarija, Beni e Pando.
Mas a proposta é rejeitada pelos movimentos de indígenas, plantadores de coca, mineiros, estudantes, professores e vendedores ambulantes, que intensificaram protestos na capital e na vizinha El Alto. Os movimentos defendem, antes, a convocação de uma Assembléia Constituinte.
Prevista para as 15h no horário local (17h em Brasília), a sessão acabou sendo suspensa no início da noite, por quórum insuficiente de 61 deputados - eram necessários 105 dos 157 parlamentares.
Diversas bancadas regionais não conseguiram chegar à capital, que teve vários acessos bloqueados; na cidade, deputados do departamento de Santa Cruz, temendo agressões dos manifestantes, negaram-se a sair de seus hotéis em direção ao Congresso, na praça Murillo -sede também do palácio do Executivo. Os que chegaram ao palácio tiveram de contar com escolta policial.
Nem mesmo o presidente do Congresso, Hormando Vaca Diez, que convocou a sessão e garantiu haver condições de segurança e de quórum, compareceu ao Parlamento ontem. Afirmou que, para evitar que fosse pressionado a colocar em votação a convocação de uma Constituinte, preferiu faltar.
"É uma manobra de Vaca Diez, uma conspiração contra a democracia, contra o governo e contra o Parlamento", disse à Folha um sensivelmente irritado Evo Morales, líder do Movimento ao Socialismo, principal bancada de oposição, num plenário praticamente vazio. "Com essa classe de atitude, o que vai acontecer é que vão se agravar as demandas pelo fechamento do Parlamento", disse.
Um pequeno grupo de parlamentares ignorou a falta de quórum e decidiu abrir uma sessão paralela. Do lado de fora do Congresso, a situação era caótica. Manifestantes que tentaram furar o cerco policial à praça Murillo no meio da manhã, jogando pedras e bananas de dinamite, foram recebidos com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo.
À espera da sessão, diversos grupos fizeram cordões nos arredores do centro do poder. O fechamento da praça por barreiras policiais e a interrupção do trânsito provocaram a expansão das marchas e dos protestos para zonas da cidade até então pouco afetadas. Segundo cálculos preliminares da polícia, os grupos mobilizados somavam 12.000 pessoas.
O governo Mesa, porém, voltou ontem a atribuir os protestos a grupos isolados. "São grupos sem dúvida importantes, mas minoritários que persistem numa atitude de violência", disse Saúl Lara, ministro de Governo.
"Estamos trabalhando intensamente com a polícia para dar as condições necessárias para que o Parlamento possa realizar seu trabalho", disse o ministro, que negou intenção do governo de estabelecer um estado de sítio.
"Evitaremos cair em qualquer provocação, não só para preservar nosso sistema, mas para não cair numa espiral de violência que amanhã mergulhe em dor e em luto as famílias de La Paz."
Os prognósticos para uma realização da sessão tampouco eram positivos. O principal foco de pressão dos manifestantes, ontem, a convocação da Constituinte, estava fora da agenda parlamentar, por falta de consenso e de instrumentação legal. Na véspera, o MAS e o governo defenderam que o tema fosse tratado em conjunto com as autonomias.


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