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opinião
Alan García, redenção e o aprismo
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Voltamos à normalidade", disse com ironia um jornal de Lima diante de mais
um dos tantos golpes acontecidos no Peru. Era um período de safra abundante: de
1931 a 1936, dois governos foram derrubados, logo se instalou uma ditadura de oito
anos, e em 1968 militares tomaram o palácio de assalto
-com tanques derrubando
portões, e o presidente deposto saindo quase só com a
roupa do corpo. Em 1975, um
golpe dentro do golpe substituiu os generais no poder e
abriu caminho para a "redemocratização" e o triunfo,
em 1985, de um aprista de 36
anos, Alan García.
Em todos esses acontecimentos teve presença marcante, em oposição aos quartéis, um movimento nascido
nos anos 20 e inspirado na
revolução mexicana: a Apra,
Aliança Popular Revolucionária Americana. O homem
que o lançou, Victor Rául Haya de la Torre, então um jovem estudante peruano no
exílio, iria se tornar talvez o
político mais idolatrado da
história do Peru.
Apesar disso, de vencer
eleições e de apoiar vencedores, ele jamais conseguiu instalar-se no poder. Era odiado
pelos militares por causa de
rebelião sangrenta em Arequipa. Já idoso e doente,
contentou-se em presidir a
Constituinte convocada depois de 1975. Numa das ditaduras se viu obrigado a asilar-se na embaixada da Colômbia, onde ficou oito anos,
até 1956, vigiado dia e noite.
Quando afinal conseguiu
salvo-conduto, passou pelo
Brasil a caminho da Europa,
alugou casa em Bruxelas e viveu de conferências. Os dons
de orador já eram conhecidos em círculos europeus
-Haya foi quem falou em
nome de sua turma numa
universidade britânica.
A Apra se enraizou de tal
modo na sociedade peruana
que filho de aprista já nascia
aprista. Seus "comedores"
(restaurantes populares) se
espalharam por todo o pais, e
a militância dispunha de cursos de formação política, numa espécie de central de movimentos sociais.
A provável segunda vitória
de Alan García, com a Apra já
transformada em Partido
Aprista Peruano, não deixa
de ter um componente histórico de primeira grandeza.
Embora com outra cara e
com carteirinha de uma Internacional Socialista em
quase inanição por fadiga, o
aprismo de hoje procura, pelo menos no discurso, adaptar e preservar como bagagem indispensável a mensagem de Haya.
Há uma história cuja vigência é reiterada. O ato de
fundação em 1923, no México, teve uma bandeira "indo-americana" e a pretensão de
criar um movimento continental, com base em valores
nativos, "anti-imperialista",
de recusa a oligarquias "ligadas aos Estados Unidos" e a
revolução mexicana como
pano de fundo. Também a
inspiração do nacionalista
cubano José Marti.
Quando se elegeu em 1985,
Alan García era visto como
portador de um mandato de
mudanças, de centro-esquerda, em favor dos pobres,
ele próprio se dizendo anti-imperialista, identificado
com as raízes da Apra.
Nada deu certo, e García
afundou na hiperinflação,
mais pobreza e tensões sociais -sem falar em denúncias de corrupção. Ele sabe
que terá dificuldades com
um Congresso mais voltado
para seu adversário, Ollanta
Humala. Ameaça dissolvê-lo
se seus planos forem bloqueados. É a procura da redenção, bem ou mal, com a
bandeira do aprismo.
O jornalista NEWTON CARLOS é analista de
questões internacionais
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