São Paulo, sábado, 01 de julho de 2000


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FRANÇA
Milhares de pessoas chegam a Millau para o julgamento de agricultores que tentaram impedir a abertura de um McDonald's
Cidade vira "capital da antiglobalização"

France Presse
O líder José Bové e outros nove camponeses são acompanhados por manifestantes ao se encaminhar, de trator, ao tribunal de Millau


RONALDO SOARES
ENVIADO ESPECIAL A MILLAU

Pacato pólo agrícola do sul da França, a cidade de Millau se converteu ontem em "capital mundial da antiglobalização".
O julgamento de dez camponeses da região, que tentaram impedir a construção de um McDonald's, atraiu milhares de manifestantes à cidade -50 mil, segundo os organizadores; 30 mil, pelos cálculos da polícia-, vindos de vários países.
O principal motivo da peregrinação, no entanto, era bem mais amplo: protestar contra a globalização e sua principal "promotora", a OMC (Organização Mundial do Comércio). Um desavisado que chegasse a Millau antes do início do julgamento teria a impressão de que uma "revolução rural mundial" estava em curso.
Reunidos pelo camponês José Bové, 47, produtor de leite de ovelha que liderou o ataque ao McDonald's e virou uma estrela da antiglobalização na Europa, os acusados convocaram a imprensa para uma entrevista coletiva em uma fazenda.
O local da entrevista foi um pasto de ovelhas. Aos berros -já que não havia sistema de som na fazenda-, os acusados fizeram inflamados discursos durante cerca de uma hora, criticando o neoliberalismo e se queixando da falta de espaço para pequenos produtores rurais na atual ordem econômica mundial.
As 17 testemunhas arroladas pela defesa também discursaram, assim como o brasileiro Mário Luís Lille, representante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Ele apoiou os agricultores e presenteou Bové com uma camisa do movimento.

Cortejo
Espremidos em uma carroça usada para o transporte de ovelhas, acusados e testemunhas percorreram uma distância de cinco quilômetros entre a fazenda e o Palácio de Justiça de Millau, local do julgamento.
A entrada do cortejo na cidade foi triunfal. Bové e seus amigos foram ovacionados pelos manifestantes, que os aguardavam na praça principal de Millau. Bové ainda teve fôlego para subir em um palanque e discursar.
"Esse ato é para dizer que não recuaremos em nada. Vamos agir e reagir. É a revolta e a resistência que estão na ordem do dia", anunciou o camponês. A multidão respondeu cantando hinos que os torcedores entoavam após as vitórias da seleção francesa na Copa do Mundo de 1998.
Depois que os acusados foram para o tribunal, no início da tarde, Millau entrou em clima de festival artístico. Espetáculos de circo, teatro, mímica e música se alternaram na cidade ao longo do dia.
A presença maciça do visual hippie -o preferido dos manifestantes- dava um certo ar de Woodstock à cidade, impressão reforçada pela tranquilidade com que alguns alguns jovens consumiam haxixe e maconha nas ruas, apesar do forte esquema policial.
Alguns manifestantes permaneceram de vigília em frente ao tribunal, mas a maioria aproveitou o dia de sol em Millau para tomar banho nas águas cristalinas do rio Tarn, que corta a cidade, ou passear pelas montanhas da região.

Queijo
O queijo roquefort foi o elemento detonador do movimento antiglobalização em Millau. O produto, típico da região, foi um dos itens franceses prejudicados por uma decisão tomada no ano passado pelos Estados Unidos, que resolveram sobretaxar artigos europeus em retaliação à proibição imposta pela União Européia contra alimentos geneticamente modificados (transgênicos).
Em resposta à iniciativa norte-americana, cerca de 400 integrantes da Confederação Agrícola, sindicato rural do sul da França, realizaram uma manifestação em agosto do ano passado, desmontando um McDonald's que estava sendo construído em Millau.
Desde então, atos antiglobalização são cada vez mais frequentes na França. Em março, a Prefeitura de Sainte-Mairie (região sudoeste) baixou um decreto quadruplicando o preço da Coca-Cola na cidade, outra resposta à sobretaxa imposta pelos EUA.
A mais recente "vítima" da febre antiglobalização foram os monstrinhos Pokémon. As figurinhas do desenho animado foram proibidas em algumas escolas francesas, sob alegação de que causavam briga entre alunos.


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