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Subsídio agrícola motiva cruzada
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A cruzada de José Bové contra a
globalização não constitui apenas
a luta de um novo Astérix contra o
"imperialismo norte-americano"
mas também envolve muito dinheiro, sob a forma de subsídios à
produção agrícola francesa e européia em geral.
A Política Agrícola Comum
(PAC) consome cerca de 50% do
orçamento da União Européia
(UE), representando mais de US$
40 bilhões por ano em subsídios
diretos aos agricultores e por volta de US$ 70 bilhões em subsídios
indiretos. Além disso, muitos países europeus fornecem subsídios
adicionais a seus agricultores.
Bové, produtor de leite de ovelha -principal insumo do queijo
roquefort-, é uma pessoa de formação sólida, que estudou na
Universidade da Califórnia, em
Berkeley, e soube usar o imaginário popular francês.
"Na França, é comum que as pequenas causas ganhem uma dimensão que talvez não possuam.
Daí o caso Bové ter se transformado em uma cruzada pela defesa da
identidade e da cultura francesas", analisou Richard Kuisel,
pesquisador do Centro para Estudos Europeus da Universidade de
Georgetown (Washington), em
entrevista, por telefone, à Folha.
Bové não é, certamente, apenas
um calculista que não acredita no
que prega, senão não teria conseguido mobilizar grande parte da
população francesa para sua causa. Mas ele não deixa de se preocupar com a questão financeira.
"É verdade que Bové luta pela
exceção francesa, mas não se pode esquecer que há muito dinheiro em jogo. Os agricultores europeus não desejam perder os subsídios que recebem da UE e de
seus governos, e é isso que pleiteiam os EUA. Os norte-americanos afirmam que isso distorce o
andamento normal do comércio
internacional", afirmou Kuisel.
A chamada exceção francesa
defende o conceito da multifuncionalidade da agricultura, que
sofisticou a doutrina do protecionismo. Para os europeus, o agricultor não é mais um simples produtor de alimentos, mas um guardião da natureza.
A propriedade rural multifuncional presta, segundo a UE, vários serviços à sociedade, além de
garantir o fornecimento de alimentos. Não deixando o campo e
gerando empregos, os agricultores impedem o êxodo rural e a degradação da qualidade de vida
nos centros urbanos. Além disso,
asseguram a preservação de tradições, cultura, ambiente, biodiversidade e paisagem rurais.
Na França, o orgulho nacional é
fortemente ligado aos hábitos alimentares e à qualidade dos alimentos produzidos. E conta tanto
quanto questões econômicas, políticas ou ambientais, evocadas
por manifestantes de outros países europeus. Daí o grande sucesso da causa de Bové.
"Ele quer ser um símbolo da resistência francesa à "invasão dos
EUA" e já atingiu seu objetivo",
sustentou Kuisel.
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